Cultura

A gente não quer só comida. Quer comida de verdade. Por OTTO FREITAS

Quanto mais o mundo evolui, mais se perdem os prazeres da cozinha tradicional.
Otto Freitas , Salvador | 12/10/2014 às 18:59
É raro se comer hoje em dia uma galinha caipira com quiabo
Foto: DIV
   Parafraseando Arnaldo Antunes na sua canção, a gente não quer só comida, a gente quer comida de verdade, com beleza, perfume e sabor. 

   Quanto mais o tempo avança e o mundo evolui, mais a gente perde os prazeres da mesa, da cozinha cultural, tradicional, espiritual, restando a alta gastronomia, privilégio de uns poucos com din-din no bolso. O homem hoje vive muito mais - só que é uma vida agoniada, cheia de stress; corre feio louco, sem tempo até mesmo para comer – e assim tem muito menos prazer, diversão e arte. 

   Primeira vítima, a boa e saudável comida caseira foi substituída pelo produto industrial, apresentado em forma de tabletes, farelos, comprimidos e pó. Primeiro, para alimentar astronautas e alpinistas; depois, para facilitar o dia a dia corrido das pessoas ditas normais. 

   Até o velho peru de Natal já não morre mais de véspera; morre muito antes. Já vem temperado, pronto para assar, e apita quando chega a hora de sair do forno. 

   A boa galinha de quintal ao molho pardo virou raridade. Hoje o frango cresce mais rápido que pipoca - só não sai pulando porque é logo esquartejado e vendido aos pedaços ou vira caldo em tabletes. Em vez da saudável liberdade do quintal, é criado em cativeiro, apertado, no sufoco, em luz artificial e superalimentado, entupido de hormônios, para engordar rapidamente. 

   Pior é que ainda tem gente que come esse franguinho de granja achando que está se alimentando saudavelmente (tem frango que já vem temperado, dentro de um saco plástico especial, pronto para assar, com saco e tudo!). Na verdade, essa carne branquela e sem graça só faz bem mesmo à pauta de exportação brasileira. 

                                                                @@@@@@

   Desde que inventaram os enlatados, como kitute, salsichas, sardinhas e até mesmo feijoada, o mundo foi criando novos absurdos, sob o argumento de facilitar a vida moderna – e a população fica cada vez mais gorda. 

   É uma loucura sem limites: logo vieram as pizzas e outras massas prontas, que vão direto da geladeira para o forno micro-ondas; depois inventaram o leite de coco em garrafa e acarajé congelado; e agora uma indústria alimentícia anuncia uma inacreditável omelete em pó (Ah! que saudade das proteínas do ovo de quintal, amarelinho, pequenininho e saboroso!).

   Esse mundo está doidão mesmo: os homens queimam as matas, poluem os rios, secam suas nascentes; destroem o lugar onde vivem e o próprio futuro. 

   Comer comida sem alma, em pratos prontos cheios de substâncias químicas, só vai intensificar a loucura e apressar esse fim de linha assustador.