Cultura

Tá faltando gordo na seleção e a volta do futebol arte, p OTTO FREITAS

Africanos perdem a cintura e a ginga e viram atletas de força e velocidade.
Otto Freitas , Salvador | 21/06/2014 às 10:36
Felipão ainda é tempo de chamar Valter para dar alegria a seleção
Foto: DIV
Do fundo do seu confortável sofá-arquibancada, entre jujubas, amendoins cozidos e almofadas manchadas de cachaça e licor de jenipapo, ressurge um Jeffinho triste, desencantado com os times africanos na Copa do Mundo - Gana, Costa do Marfim, Nigéria e Camarões. Eles perderam a graça do futebol arte com que encantaram o mundo, sobretudo na década de 1990. Sepultaram sua identidade e se tornaram comuns, iguais aos outros. 

Com a licença do professor Zé de Jesus, que entende desses assuntos, o futebol arte, na sua essência, é como a capoeira, manifestação cultural afro-brasileira: um jogo, uma dança, uma arte, uma ginga, em movimentos elegantes realizados por corpos esguios. Nos campos do futebol moderno, no entanto, já não se ouve falar sequer em drible de corpo. 

Robinho, por exemplo, era aquela agilidade, cheio de jogadas criativas de surpreendentes. Transferiu-se para a Europa e logo começou a pegar corpo; perdeu a ginga e se afundou na tristeza. Foi parar no banco de reservas e fora da Seleção Brasileira. É sempre assim: o jogador sai do Brasil fininho, esguio, vai para a Europa e vira praticamente um fisiculturista, todo duro, travado, cheio de músculos – enfim, um corpo incompatível com a leveza do futebol arte.

Os craques que ainda resistem, como Neymar, são condenados, forçados a jogar um jogo que não é o seu. Além do mais, são invariavelmente acusados de humilhar o adversário ao exibir a arte. Ora, meu Deus, desde quando um banho de cuia (também chamado de lençol ou chapéu), por exemplo, é falta de respeito ao adversário. Será que Leonardo Da Vinci pintou a Mona Lisa com aquele sorriso indecifrável só para sacanear?
 
Enfim, os artistas da bola estão se acabando – ou acabam com eles quando aparecem. Viram atletas “de alto nível”. Com suas camisetas apertadas, os africanos exibem nas Arenas da Copa muito músculo e peitorais de matar o Incrível Hulk de inveja. Os negões de hoje não têm mais cintura, nem molejo. A graça do futebol das antigas, dos dribles desconcertantes e inimagináveis, ficou definitivamente para trás. 

Os africanos, que representavam a última trincheira de resistência, agora também jogam futebol moderno. Assim, eles correm, correm, correm tanto que passam da bola ou se perdem além das linhas do campo. E batem, batem, batem tanto nos adversários que o jogo entre Japão e Costa do Marfim mais parecia um campeonato de arremesso de japonês. 

Ora, meu Deus, para quê tanta malhação e tanta correria se, até a primeira semana da Copa, muito mais da metade dos gols marcados saiu de bolas paradas (faltas, pênaltis, escanteios e até laterais)? 

É por isso que Jeffinho questiona os seus botões: se Felipão tivesse convocado o gordinho Valter, do Fluminense, Neymar estaria sofrendo tamanha solidão criativa na Seleção?