Cultura

A benção, Vinicius, barrigudinho mais adorado do Brasil,p OTTO FREITAS

Ele veio ao mundo para amar a mulher e ensinar a gente a viver.
Otto Freitas , da redação em Salvador | 22/10/2013 às 07:31
Vinicius de Moares, 100 anos de história
Foto: DIV
A benção, Vinícius de Moraes; saravá, poeta camarada, cuja vida e obra sem tamanho são eternas. Tendo sido carioca e baiano, esse branco de alma negra é quase orixá. Tornou-se também o trovador de Itapuã, sob a confirmação de Dorival Caymmi. Aliás, como viveu por amor à mulher, foi por causa dela que ele virou baiano e abaianou a Bahia ainda mais.  

Vinícius sempre foi o gordinho mais adorado do Brasil, tendo cultivado e exibido zelosamente aquela imponente barriga acima das pernas finas. Sempre além do peso, viveu intensamente cada um dos seus dias; seguramente uma vida inteira a cada dia, sem abrir mão dos seus princípios. Ele veio ao mundo, afinal, para ensinar a gente a viver.

Jamais abandonou a bebida. Para ele, uísque era o cachorrinho engarrafado, o melhor amigo do homem. Gostava de comer bem, era guloso; cultivava a farra e a boemia; sua casa era uma festa; ele era uma festa. Mas trabalhava muito, sem medo de novidades.

Acima de tudo, amava as mulheres, era um eterno apaixonado. Casou-se nove vezes, fora as puladas de cerca, das quais não se falam, nem se contam. Mas ele não sabia amar sem liberdade, como escreveu certa vez. 

Além de tudo o que representa para a cultura brasileira e por todo o bem que fez à alma do povo, Vinícius de Moraes bem que poderia ser também uma espécie de padrinho dos gordos. Até porque ele derrubou com maestria aquela teoria de que gordo não come ninguém. O velho poeta, como se sabe, se fartou disso até morrer. 

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Desde a adolescência Jeffinho mantém especial ligação afetiva com Vinícius, embora só o tenha visto pessoalmente uma vez, e mesmo assim à distância, no palco de um show. O primeiro contato se deu através da sua poesia, ainda no ginásio - Jeffinho teve a sorte de encontrar o professor Joel Andrade, de Português, que lhe mostrou o caminho da prosa e dos versos. Naquele tempo, chegava a andar com coletâneas de Vinícius, de quem costumava citar poemas e letras de canções da Bossa Nova para seduzir meninas mais resistentes.

Depois, quando já sabia dedilhar os primeiros acordes ao violão, entre uma serenata na Penha e outra na lagoa o Abaeté, Jeffinho conheceu e acompanhou a trajetória de Vinícius e Toquinho, levando a música popular brasileira pelo mundo e a poesia de Vinícius para o povo brasileiro, que não tinha acesso à sua literatura. Vinícius foi duramente criticado na época (“ele ia bem pelo caminho, tropeçou em um toquinho e caiu...”), mas a história provou que o poeta estava certo. 

Mais do que tudo, Vinícius traduziu em uma só canção aquele sentimento de amor por Itapuã que só itapuanzeiro como Xando de Beré tem e entende. Jeffinho só não é itapuanzeiro porque não nasceu lá. Mas suas relações de afeto com o lugar nasceram na infância e adolescência e se consolidaram na vida adulta. 

Até hoje Jeffinho se emociona quando ouve “um velho calção de banho, o dia pra vadiar... passar uma tarde em Itapuã... falar de amor em Itapuã...”. E foi assim que, em uma noite do final dos anos 1970, Jeffinho foi ver Vinícius e Toquinho em show no Canecão, antiga casa de espetáculos do Rio de Janeiro, onde estava em viagem de férias e orgias boêmias junto com seu amigo Paulo Cocô, outro itapuanzeiro de sentimento. 

Quando Vinícius começou a cantar a música de Itapuã, bateu uma saudade da Bahia que Jeffinho jamais sentira antes na vida. Veio um choro de menino, incontrolável, mas Jeffinho estava muito feliz, jamais se esqueceu daquela noite - graças àquele gordinho barrigudo que só cantava sentado, com seu uisquinho na mão. 

Pena que a Itapuã de Xando de Beré, de Sergio Boto, de Vinícius e de Jeffinho já não exista mais.