Cultura

Prato de Caruru de São Cosme deixa gordo empanturrado, p OTTO FREITAS

Esse Jeffinho não é moleza
Otto Freitas ,  Salvador | 15/09/2013 às 20:23
Caruru para cosminhj com todos ingredientes
Foto: DIV
A expressão comer um caruru (quiabo cortado miúdo cozido do dendê) é puro eufemismo, pois o prato do dito cujo baboso parece um mix afro-brasileiro de restaurante a quilo: além do próprio, traz outras comidas, cozidas ou fritas no dendê, como o vatapá, feito à base de pão de trigo ou de farinha de mandioca (mestre Vital de Santo Amaro só faz com farinha e lembra que o pão não chegava na senzala).

Coloca-se um bocadinho de cada iguaria, incluindo ainda feijão fradinho, efó, farofa amarela (uma delícia, bem crocante, cheia de camarão seco frito no dendê!), ximxim de galinha, nacos de acarajé e de abará. Sem dendê tem arroz branco, milho branco, rodelas de inhame, pipoca, banana da terra frita, pedaços de rapadura e de cana-de-açúcar. É um pratão bonito, colorido, farto, atraente. 

Jeffinho não come caruru, mas o resto ele traça tudinho e acaba sempre empachado, feito um gorducho jeje-nagô. Ele é guloso, mas no fundo tem a maior fé em São Cosme e Damião, os santos católicos homenageados com essa comida de candomblé servida aos ibejis, os orixás meninos, que adoram uma brincadeira. 

O dia dos santos católicos é 27 de setembro, mas até os anos 70/80 do século XX tinha festa e comida o mês inteiro. Passar setembro sem comer um caruru podia deixar o devoto desprotegido. Era de lei comer caruru em casa, com muitos ou poucos convidados, ou em casa de parentes, amigos ou vizinhos. Havia até mesmo empresas que reuniam clientes para homenagear Cosminho. 

Costumava-se medir o tamanho da festa pelo número de quiabos. Caruru de quiabos contados aos milhares era evento de coluna social, às vezes até com música ao vivo para dançar. Com o crescimento das cidades, a globalização, a violência urbana e o alto custo de vida, a festa entrou em decadência. Não dá oferecer um caruru à distância, pelas redes sociais. 

Mesmo assim, a tradição ainda resiste bravamente, sobretudo em segmentos da classe média e comunidades populares, onde pode até rolar um samba-de-roda. Quem é devoto de verdade e não tem dinheiro faz caruru pequeno, só para sete meninos. 

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Seja grande ou pequeno, é obrigatório servir primeiro a comida do santo, nos utensílios de barro em miniatura colocados no oratório, em frente às imagens de Cosme e Damião. 

Depois é a vez dos sete meninos, que comem de mão, todos ao mesmo tempo, em bacia de alumínio ou em um grande alguidá sobre um pano branco estendido no chão. Antes de começar a comilança, pode ter cantigas e rituais, com a participação das crianças. 

No final os pequenos limpam as mãos na roupa branca do dono do caruru (a pessoa da casa que está oferecendo a comida, cumprindo promessa), que distribui balas, doces e moedas. 

A festa pode ser profana, com bebida farta e muito molho nagô, feito com pimenta cozida. Mas se o caruru é de promessa não pode ter bebida alcoólica, nem pimenta, nem sal na pipoca. Nesse caso, servem-se refrigerantes ou aluá, infusão das cascas de abacaxi, bebida que o orixá gosta.

Em qualquer circunstância, aconselha Jeffinho, coma com respeito e alegria. Pode se melar de dendê à vontade, que a festa é de menino. E, caso tenha vontade, pode repetir o prato. Mas fique ligado porque você pode encontrar um dos sete quiabos inteiros colocados na panela do caruru e servidos ao acaso. 

Se isso acontecer você terá sido um dos sete escolhidos por Cosminho para oferecer-lhe um caruru no ano seguinte. Convém não deixar de cumprir a obrigação, de jeito nenhum. 

“São Cosme mandou fazer/duas camisinha azul/no dia da festa dele/São Cosme quer caruru”.