Cultura

CARANGUEJOS e o jantar da prima casquinha de ARACAJU. p/ OTTO FREITAS

A passarela do Caranguejo em Aracaju e a comida farta
Otto Freitas , Salvador | 02/09/2013 às 06:50
A passarela do Caranguejo em Aracaju e a comida farta
Foto: BJÁ
Estivesse onde estivesse a comida, Jeffinho jamais mediu esforço nem distância para alcançá-la, sobretudo em caso de novidade. Comer bem e se divertir sempre foram prioridade. Houve um tempo em que, de vez em quando, ele inventava ir ali, tipo légua de beiço, para tomar umas e comer caranguejos em Aracaju. 

Naquele tempo, a cidade era famosa pela fartura de uçás enormes e saborosos. Mas uma doença cíclica chamada letargia (provável consequência da utilização de produtos químicos em viveiros de camarão instalados no manguezal) e a sobrepesca acabaram com os bichos e a fama de Aracaju como a capital do caranguejo. Hoje, a maior parte do que é servido em bares e restaurantes, tanto lá como em Salvador, vem do Piauí e do Pará, de avião.

No calorento verão de 83, Jeffinho pegou seu Fuscão 72 e carregou a patroa para comer uns caranguejos em Atalaia, que era o point da cidade na época. Aproveitou a viagem para visitar a prima Miudinha, uma casquinha ortodoxa, daquele tipo tão avarento que só dá adeus de mão fechada para não gastar dinheiro.

O sol estava tão quente que dava para fritar ovo no asfalto. Do mar não vinha uma brisa sequer. Hospedado na casa da prima, Jeffinho não conseguiu dormir direito. Por causa do calor e das precárias acomodações - se é que um colchonete no chão pode ser considerado acomodação -, recorreu ao chuveiro frio várias vezes durante a noite. 
Dia seguinte, logo cedo, foi urgentemente comprar um ventilador, que acabou deixando por lá mesmo, de presente para a priminha boba. No maior cinismo, ela ainda ria da situação, lembrando que aquele era o quarto mais quente da casa - o dela é que era fresquinho, comentava sem um pingo de vergonha e cerimônia.

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Jeffinho resolveu esticar o passeio até Maceió, só por um dia e uma noite, e convidou a prima Miudinha. Ela foi, mas queria dormir no banco da praça, para não gastar com hospedagem. Jeffinho pagou o hotel e todas as despesas da viagem. “Quando a gente voltar, vou compensar com um jantar especial para vocês”, repetia sempre, a cada conta que não pagava.

Quando voltaram a Aracaju, Jeffinho organizou movimentada programação cultural e gastronômica. Depois do show de Milton Nascimento, por exemplo, compartilharam a noite e a boemia, cada grupo em sua mesa, com Milton, ídolo adorado, Wagner Tiso e o pessoal da banda. Cheio de emoção e de pinga, Jeffinho ficou rico (como sempre acontece, aliás, quando está melado) e pagou tudo, mais uma vez. 

Em todas as farras, almoços e jantares, a prima não dava um tostão para ajudar na conta e ainda pedia ao garçom que embalasse as sobras, “para o meu cachorrinho”. Na cara de pau, reclamava que os convidados faziam as refeições na rua e não lhe davam uma chance de lhes oferecer aquele jantar especial prometido. 

No domingão, véspera da viagem de volta, todos foram à praia de manhã e em seguida fizeram um almoço de despedida, na melhor churrascaria da cidade, na modalidade espeto mistão no meio da mesa. Jeffinho se esbaldou na carne e nas biritas. À noite, estava cansado. Como teria que dirigir na volta de volta, manhã seguinte, resolveu ficar em casa e repousar. “Então, vou fazer aquele jantarzinho especial que prometi”, exclamou a prima Miudinha, como se estivesse oferecendo a vida eterna. 

Lá pelas 9 da noite, saiu um risoto de frango, branquelo e sem gosto, acompanhado por ele mesmo, sem entradas nem saídas - só um pãozinho dormido que Jeffinho requisitou, para ajudar a empurrar aquela papa insossa. Não rolou nem um suquinho, uma Coca, um vinhozinho, nada... Foi a seco, agravando o sofrimento. 

Ao final do jantar, a prima casquinha ainda curtiu com a cara dos convidados, revelando, às gargalhadas:
“Sabem o que vocês comeram: o peito de frango do espetão misto que sobrou do almoço. Mandei embalar para o meu cachorrinho...”.

Nunca mais Jeffinho visitou a prima casquinha de Aracaju.