Cultura

SAIR PARA COMER É UM PROGRAMA, JÁ DISSE DONA MARIETA. P/OTTO FREITAS

Antigamente, havia os lugares que se frequentava com regularidade. Hoje, não se pode mais criar e manter esse hábito, pois os estabelecimentos agora têm vida curta, às vezes não mais que um verão
Otto Freitas ,  Salvador | 19/08/2013 às 13:09
Moqueca ao molho de camarão do Porto Moreira
Foto: DIV
Como diz a diva Marieta Severo, com a propriedade que lhe confere aquele corpinho de 30, sair para comer fora é um programa. Jeffinho também pensa assim e desde a juventude desenvolveu um gosto especial por restaurantes, bares, botecos, cacetes armados e afins. Sente um prazer tão grande quanto o seu corpão com muito mais de 100 quilos. 

Antigamente, havia os lugares que se frequentava com regularidade. Hoje, não se pode mais criar e manter esse hábito, pois os estabelecimentos agora têm vida curta, às vezes não mais que um verão. Além do mais, comer fora ficou muito caro, a noite tornou-se perigosa, e, principalmente, já não há boas casas como antigamente, excetuando-se as de primeira linha, cujos preços o bolso de Jeffinho não alcança. 

O que não falta na cidade é bar e restaurante onde se come carangueijo, senta-se em cadeiras de plástico coladas umas às outras, ouve-se música de gosto duvidoso – e o garçom não é garçom de verdade, mas um desempregado passando a chuva, enquanto não arranja outra coisa para fazer, gerando alta rotatividade. 

Em tempos que não vão muito longe, não era preciso muito dinheiro para frequentar lugares aconchegantes onde serviam boa comida em mesas com toalhas e guardanapos de pano, pratos e copos adequados e cadeiras confortáveis com assento acolchoado. O garçom era de verdade, conheciam o ofício: atendia com rapidez, eficiência, educação e ainda tratava o cliente pelo nome - em certos casos tornava-se amigo e até mesmo confidente. 

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Como a orla marítima ainda não oferecia muitas alternativas (exceto alguns botecos no Rio Vermelho e na Pituba), era no chamado Centro Histórico (do Campo Grande ao Santo Antônio Além do Carmo) e seu entorno (Garcia, Federação, corredor da Vitória, Graça e Barra) onde se concentravam as melhores alternativas, incluindo bares, restaurantes e lanchonetes. 

No Garcia tinha o Zanzibar, o japonês Gun, um dos primeiros de Salvador, e a pizzaria Giovanni, já perto do teatro Castro Alves. O La Pergola, no Corredor da Vitoria, era uma casa chic do lado do mar. 
Na ladeira da Barra ficava o Chez Bouillon; na Barra, havia o Biblos e o pequeno e intimista Le Mignon, com seus inesquecíveis filés. 

No Passeio Público, Campo Grande, tinha o Perez. Logo atrás, na Gamboa, encosta com vista para a baía de Todos os Santos, ficavam o Chez Bernard e o Kirimorê, além do restaurante de Dona Conceição, um dos primeiros especializados em frutos do mar na cidade, a Casa da Gamboa. 

Também havia comida boa, farta e barata na esquina com a avenida Sete de Setembro, na Manon, que era bar, lanchonete e restaurante de balcão. Na avenida Sete, A Portuguesa reinava com o seu insubstituível caldo verde. 

Descendo para o coração do centro antigo, na rua de São Bento ficava o tradicional restaurante italiano Bela Napoli. Na rua Chile, nada se comparava ao restaurante do Hotel Chile, com sua elegância discreta e comida honesta servida generosamente (aos sábados, ninguém resistia ao seu escaldado de peru). 

Na rua Carlos Gomes, tinha a feijoada de Biu, a carne do sol do Tabuleiro da Baiana, o churrasco do Brazeiro, a pizza do La Fontana e os pastéís do chinês do Good Day.

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Nesta cidade sem memória e sem respeito às tradições, também nesse ramo de bares e restaurantes, felizmente ainda restam os heróis da resistência, que vencem o tempo de portas abertas, apesar das cervejas dobradas e dos carangueijos. 

No Forte de São Pedro, o Colon, que nasceu há mais de 100 anos como empório de importados (bebidas, azeites, queijos e defumados) continua firme, servindo petiscos da culinária espanhola. O outro Colon, também centenário, continua atendendo aos trabalhadores do Comercio e os saudosistas como Jeffinho e Dom Franquito. 
Já na segunda geração, o Porto Moreira continua lá, no Mocambinho, rua Carlos Gomes, há mais de 80 anos, servindo sua majestosa moqueca de miolo de boi com ovo e camarão seco, entre outras raridades. 

Heroinas da resistência são dona Joana, do sertanejo Uauá, no Pelourinho, e dona Terezinha, de A Lata, nos Pernambués. As duas mantêm suas casas funcionando há mais de 40 anos. 

Também estão na selecionada lista dos que resistem aos anos sem perder a qualidade o Mini-Cacique, no Centro, o Chez Bernard, na Gamboa, e o Juarez, com seu famoso filé ao vinho, no Mercado do Ouro.