Cultura

VAMOS a la playa tomar tomar cuba libre en la isla, por OTTTO FREITAS

Foi o começo da derrota. Passaram a noite bebendo, de testa, na sala de estudos, esperando a hora da partida
Otto Freitas ,  Salvador | 05/08/2013 às 07:34
Bebida que rolava à mancheia na décad ade 1970
Foto: DIV
Essa é uma história da Cidade Baixa, nos anos 70, envolvendo Jeffinho, Paulo Coco e suas respectivas namoradas na época, Maria Felipa e Luisa Maria. De vez em quando eles gostavam de passar fins de semana na ilha de Itaparica, desde os tempos do navio. Com a inauguração do sistema ferry-boat, combinaram um domingão na praia, sob o pretexto de experimentar a novidade. 

Para aproveitar mais o dia, decidiram pegar a primeira barca, que zarpava às 5 da manhã. As meninas prepararam uns petiscos para viagem, pois naquele tempo não havia barracas de praia na ilha; era preciso levar o rango, ou encomendar almoço em casa de nativos. Mas isso custava caro e todos eram estudantes pobres, entrando na juventude, não tinham uma banda de conto no bolso. 

Aquele convescote, enfim, prometia ser animado. Tanto que no sábado os rapazes resolveram levar as moças ao cinema, no sábado à noite. Foram ao cine Capri, no largo Dois de Julho, e na saída fizeram uma parada rápida, para comer, como era de lei, o famoso pastel do chinês no Good Day, lanchonete que integrava a encruzilhada da fome noturna, na rua Carlos Gomes, junto com o Brazeiro e o La Fontana. 

Já era mais de meia-noite quando Jeffinho e Paulo Coco deixaram as meninas. A caminho de casa, já descendo a rua onde moravam, os dois gordinhos de péssimos hábitos (eram notívagos, bebiam mais do que socialmente, comiam além da conta e não gostavam de acordar cedo) resolveram dar um virote. 

Cheios de ansiedade e expectativas em torno daquele domingo de sol na ilha dos sonhos, decidiram ficar em casa de Paulo Coco – e este, muito diligente, logo foi ao bar de seu Chico, buscar umas cervejas para dar mais alegria à vigília. Ficariam esperando a hora da viagem para a ilha, pois precisariam sair de casa às 4 para conseguir chegar ao terminal a tempo de embarcar no ferry das 5 horas. Temiam perder a hora da viagem.

Exagerado como sempre, Jeffinho exaltou a iniciativa do amigo, mas condenou peremptoriamente a escolha da bebida (até hoje, Jeffinho só bebe cerveja se não tiver jeito! Argh!). Paulo Coco partiu logo para a ignorância: voltou a bar de seu Chico e trocou as cervejas por quatro Cocas médias e um litro de ron Bacardi Carta Blanca. 

Foi o começo da derrota. Passaram a noite bebendo, de testa, na sala de estudos, esperando a hora da partida. Contavam minutos e doses de ron com Coca Cola, a famosa cuba libre, bebida símbolo daqueles tempos. A certa altura, Paulo Coco começou a botar Bacardi na carteira de cédulas e Coca Cola no copo porta-lápis e canetas, sob o olhar atônito do parceiro. 

É a última coisa de que Jeffinho se lembra daquela madrugada. Até hoje ninguém sabe o que aconteceu depois. 

@@@@@@
Eram 7 horas da manhã do domingo quando Paulo Coco, todo afoito, bateu à porta da casa de Jeffinho, procurando por ele. A mãe atendeu assustada. Paulo Coco trazia os sapatos cavalo de aço de Jeffinho; embaixo do outro braço carregava uma toalha dobrada - e por dentro dela, sua sunga de banho e um frasco de shampoo. 

Como Paulo Coco, ainda meio embriagado, não falava coisa com coisa, a mãe de Jeffinho logo imaginou coisa ruim, que dentro daquela toalha estaria uma camisa do filho suja de sangue. Ela acordou a casa toda; mobilizou irmãos e vizinhos em uma busca pelo desaparecido. 

Todo agoniado, Paulo Coco resolveu voltar para casa e só então descobriu Jeffinho escornado, dormindo na poltrona da sala de TV. “Vombora, rapaz. Acorda! Estamos atrasados para a ilha. As meninas estão esperando...”, repetia freneticamente. 

Jeffinho nem lhe deu resposta. Levantou-se da poltrona e foi para casa, três quarteirões adiante, andando pela rua alagada, pois havia chovido toda a noite e aquele lugar sempre foi mesmo uma espécie de piscinão de Ramos disfarçado de rua. E Paulo Coco atrás: “Vombora, rapaz! vombora, vombora”... 

Jeffinho continuou sem dizer uma palavra sequer; entrou direto para o seu quarto, deitou e apagou de novo. Dormiu até o fim da tarde daquele domingo; acordou envergonhado, com uma ressaca como jamais tivera, sobretudo a moral. Paulo Coco acabou fazendo o mesmo. As meninas doaram os petiscos para os pobres abrigados pela Irmã Dulce, mas levaram semanas para perdoar os seus amores. 

Nunca mais na vida Jeffinho bebeu cuba libre. Até hoje ainda sente náuseas e ânsia de vômito quando vê uma garrafa de Bacardi na prateleira.