Cultura

Mané Gostoso, gordinho rei das bocas livres e o negão, p OTTO FREITAS

Certo dia, casado de novo, parou no bar, a caminho de casa, para um breve happy hour com os colegas da firma. Como de costume, logo nas primeiras doses se embriagou e perdeu a consciência.
Otto Freitas ,  Salvador | 03/06/2013 às 10:48
Mané Gostoso, arte em madeira
Foto: DIV
Mané Gostoso, como é conhecido esse amigo de Jeffinho, lá da Cidade Baixa, sempre foi tirado a garanhão, desses que dão em cima de todo mundo, mas não comem ninguém. Mulato baixote, careca e meio gordinho, sempre foi atirado. Fala tanta besteira que às vezes beira a grosseria - e as mulheres caem fora.

   Vendedor de pneu e bateria de carro de uma antiga firma da Calçada, Seu Mané é um sujeito conversador, que puxa prosa com gente que nunca viu, na fila de banco, no elevador, no supermercado, no posto de gasolina. Conversa na maior intimidade, como se fosse um velho amigo. 

   O sujeito é tão espaçoso que, se estiver em uma festa, daquelas de mesa de oito, onde se sentam conhecidos e desconhecidos, é capaz de beliscar e até mesmo se apossar do prato de salgadinhos do vizinho ao lado na maior cara de pau, mesmo que nunca o tenha visto na vida. Não se sabe se Seu Mané é voador mesmo, ou se faz de besta para passar melhor. 

   Todo apressadinho, fala rápido, engolindo as palavras pelo meio. Circula pela cidade em uma Kombi velha, pé no fundo, pois sempre gostou de velocidade. Além de guloso, é tirado a esperto, mas no fundo é mesmo bandido Coca Cola. 

   Certo dia participou pela primeira vez de um jantar formal, sentado, na casa de parentes de um amigo – era um estranho no ninho, portanto. Logo seu olho grande bateu naquelas bolinhas amarelas no meio do couvert e achou que se tratasse de algum petisco. 

   Na sua gulodice e falta de educação costumeira, encheu a boca com umas três bolinhas. Para não engolir aquela manteiga toda, não contou conversa: cuspiu do seu guardanapo de tecido e o trocou sorrateiramente com o do seu vizinho de mesa. 

   Situações assim Mané Gostoso colecionou aos montes, ao longo da vida, inclusive porque até hoje adora uma boca livre, vai a qualquer festa, seja aniversário, formatura, casamento ou batizado de boneca. Chega como ilustre desconhecido, mas logo parece amigo íntimo até mesmo dos donos da casa. Na maior inconveniência, disputa com fervor todos os comes e bebes e só sai no lixo. 

                                                        @@@@@@
    Nos anos 70/80, Mané Gostoso era um ativo frequentador da noite - ele, sua barriguinha protuberante, as calças abaixo da cintura, arriadas, cujas bocas das pernas arrastam no chão. Os sapatos de couro fino imitam intencionalmente os italianos, mas na verdade eram comprados em Ao Leão de Ouro, antiga sapataria popular bem famosa naquele tempo. 

   Seu Mané gostava de ir às melhores boates da Cidade Alta, no Centro e na orla marítima, como Clock, XK, Hipopotamus, Close-Up e Pá da Baleia, entre outras. Mas geralmente entrava pela cozinha. Não se sabe como, mas ele e o amigo Dogival conheciam gerentes, maitres e chefs dos melhores bares, buates e restaurantes de Salvador. 

   Assim, a dupla de bicões passava a noite sem gastar um tostão sequer, comendo, bebendo e dançando de graça, 0800 total. Moradores de bairro classe média na Cidade Baixa, Seu Mané e o amigo Dogival saiam sempre juntos. Dogival era o único jovem da rua que tinha o próprio carro, um DKV Wemag. Era um sedan pequeno, semelhante a uma baratinha, que abria as portas para trás e fazia mais fumaça do que os antigos trens a vapor. 

   Mané Gostoso, enfim, sabe se divertir a custo zero. Só tem um probleminha com a bebida. Sempre teve pouca resistência ao álcool, mesmo quando era jovem. Ele não aguenta beber e quando passa da conta, tipo três ou quatro doses, vira um palhaço, o bobo da Corte. Se quando está sóbrio já é inconveniente, quando fica melado troca os pés pelas mãos – e no dia seguinte não se lembra de nada. 

   Certo dia, casado de novo, parou no bar, a caminho de casa, para um breve happy hour com os colegas da firma. Como de costume, logo nas primeiras doses se embriagou e perdeu a consciência. 
Já era noite quando a mulher voltou do trabalho. Quando abriu a porta do apartamento, deu de cara com Mané Gostoso enrolado na toalha, banho tomado, bebendo cerveja, na maior intimidade, com um negão desconhecido, com dois metros de altura, todo à vontade jogado no sofá da sala. 

   Foi o maior vexame. Seu Mané, todo atrapalhado, não conseguia explicar aquele momento íntimo com o negão (quanto maior o negão, mais bem dotado ele é, conforme reza a lenda, pensou a primeira dama). 

   Da sua parte, no negão logo se consertou no sofá, adiantando-se nos esclarecimentos: havia encontrado Mané Gostoso apagado, dormindo debruçado sobre o volante do carro, que estava parado, com a porta aberta, no meio da rua. Os dois não se conheciam, mas resolveu levá-lo para casa.

   Ninguém sabe o que aconteceu de fato naquela noite. O negão nunca mais apareceu. Mané Gostoso garante que até hoje não se lembra de nada. E a patroa, desconfiada, ficou com a pulga atrás da orelha, para sempre.