Cultura

GORDO baiano é preguiçoso porque é gordo ou é baiano, por OTTO FREITAS

E por falar em rede, Dorival Caymmi - cuja rede já foi a mais famosa do Brasil - era a personificação da preguiça baiana, talvez pelo seu jeito calmo e manso de ser, já que trabalhou tanto e produziu uma obra grandiosa.
Otto Freitas , Salvador | 20/05/2013 às 08:58
Redinha para gordo em local para refletir
Foto: DIV
   Tem um mantra que todo personal trainer repete à exaustão, como se fosse a mais absoluta verdade: mais vale um gordinho malhador do que um magrinho sedentário. Ele tem lá seus argumentos, baseados em conhecimento e experiência, mas só gordo entende que esta é uma sina difícil de ser cumprida. 

   Acontece que gordo não anda, nem corre; mal fica de pé e se arrasta em sacrifício por todas as suas descrenças, na esperança de um dia efetivar o milagre de andar e correr. Quando tenta malhar, é dia sim, outro não e no terceiro também, porque a preguiça tem vontade própria, é traiçoeira e se instala quando quer – isto é, sempre, e sorrateiramente. 

   Gordo só se move por uma boa causa, como pegar um naco de carne mal passada que acabou de sair da churrasqueira; ou morder um sanduiche de pernil de porco bem suculento, com um limãozinho por cima, no pão francês fresquinho. 

   Gordo não se levanta, por exemplo, para pegar o controle remoto da TV que caiu no chão. Fica ali, na moita, esperando alguém passar, e então pede ajuda, todo cheio de humildade.

   Gordo gosta mesmo é de um bom sofá, largo, fofo e confortável, ou de uma enorme poltrona com as mesmas características, mais o banquinho para estirar as pernas. Junte-se uma tarde chuvosa, um aconchegante cobertor de patchwork e um filminho na TV. 

   Ao seu lado, uma criatura bonitinha, jeitosinha e carinhosa que lhe coce as costas e lhe esquente os pés, além de servir uns petiscos, entre uma pirueta e outra. O cardápio para beliscar deve conter guloseimas variadas: muito chocolate, jujuba, pipoquinhas, batata frita, suco de cajá, Coca-Cola e sorvete de chocolate com pedacinhos crocantes na mistura. 

  Convém salientar que o sorvete de chocolate é uma exclusividade mágica de Amelinha de Itapuã, uma ex-gordinha que sempre manda de presente potes generosos da sua criação, que supera os mais famosos sorvetes do mundo, inclusive os italianos. 
Agora, uma coisa é certa: se tem lugar onde todo gordo baiano adora curtir uma preguiça é a rede. É capaz de ficar lá horas a fio, de bode, relaxando, viajando, pensando na vida, exercendo com prazer a famosa malemolência que herdou dos ancestrais indígenas e africanos. 

   Além desse aspecto antropológico, gordo demora de sair da rede porque esse movimento requer esforço enorme, é difícil e custoso para quem está muito acima do peso. A operação sair da rede é dolorosa, tal e qual levantar daquelas cadeirinhas baixas de praia - isso quando a cadeira é forte e larga o suficiente para comportar um traseiro imenso. É mais difícil o gordo se levantar da rede do que um contorcionista magrelo dar uma rapidinha, em pé, sobre ela. 

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   E por falar em rede, Dorival Caymmi - cuja rede já foi a mais famosa do Brasil - era a personificação da preguiça baiana, talvez pelo seu jeito calmo e manso de ser, já que trabalhou tanto e produziu uma obra grandiosa. 

   A preguiça baiana já foi tese de doutorado, na Universidade de São Paulo-USP, que atribuiu essa ideia a preconceito de cor e discriminação contra nordestinos. Antigamente, no Sul e Sudeste do Brasil, todo nordestino era chamado de Baiano ou Paraíba. 

   Mas a fama não corresponde à realidade. Como se sabe e pode ser comprovado estatisticamente, gordo ou magro, baiano trabalha como todo brasileiro e qualquer outro povo do mundo. Baiano pode ser devagar, mas não é lerdo. Também não é maluco, não rasga dinheiro, nem come merda. 

   Baiano gosta de festa, mas acontece que na Bahia festa é trabalho e fonte de renda. Com criatividade e disposição, o povo aprendeu a ganhar dinheiro, sobreviver e se divertir ao mesmo tempo. Até porque Baiano Burro Nasce Morto, como disse o baiano Gordurinha, na música que compôs com esse título, nos anos 50 do século passado. 

   Então, fica certo assim: gordo ou magro, baiano é mais alegre, mais divertido e engraçado; mais criativo, mais realizador, mais farto, mais curtidor, mais vivedor, apesar de toda desigualdade. 

   O resto é conversa para boi magro e triste dormir.