Cultura

CASO DE AMOR ENTRE O GORDO CAGÃO E RUIVA DE CASA FORTE. P/OTTO FREITAS

Paulo Cocô era um jovem de classe média remediada, não tinha uma banda de conto no bolso
Otto Freitas , Salvador | 01/04/2013 às 09:14
A ruiva fatal de blood rayne
Foto: BR
   Paulo Cocô, o mais novo deseis irmãos, todos obesos, era mais exagerado do que Cazuza. Mesmo gordinho, não perdia os babas na praia, aos sábados pela manhã, seguidos da cervejinha gelada no bar de Seu Chico. Só voltava para casa no fim da tarde, trocando as pernas.

   Ele sorvia um copo de cerveja com os olhos fechados, abrindo no rosto aquela expressão de volúpia e êxtase, como se estivesse à beira de um orgasmo. Era sua bebida preferida, mas também gostava das outras.

   Comia de tudo - e muito. De abará frito, para indignação das baianas de acarajé, a feijão de currute dormido e gelado, no rango noturno. Apreciava uma boa carne mal passada, bem suculenta; rabada com agrião e mocotó com fato e pirão; sarapatel e uma bela feijoada com feijão preto e bastante paio.

   Os frutos do mar, no entanto, eram sua predileção. Adorava ostras cruas, lagostas grelhadas na manteiga e polvo de qualquer jeito. Chegava a babar e revirar seus olhos vesgos diante de uma boa moqueca de vermelho, cavala ou dentão, temperada com bastante pimenta. 

  Paulo Cocô, aliás, não passava sem molho de pimenta. Gostava tanto que botava pimenta em tudo, comia até com pão. Vem daí o seu apelido. Comia tanto, com tanta pimenta, que andava sempre de caganeira. 

  Certa vez, acabou se borrando nas calças, depois de um peido silencioso e involuntário, daqueles que sempre conduzem um pouquinho de cocô cu a fora. Virou motivo de chacota entre amigos e colegas de sala. Desde então virou Paulo Cocô, para sempre.

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   Paulo Cocô era um jovem de classe média remediada, não tinha uma banda de conto no bolso. Mas jamais abandonou sua mania de grandeza. Usava parte do dinheiro da merenda para ir à escola de lotação, em vez de ônibus. Era mais chique, mais rápido e todos viajavam sentados. Vez por outra, gostava de frequentar restaurantes caros, nem que precisasse tomar dinheiro emprestado.

   Apaixonava-se intensamente por todas as namoradas; passava a viver em função daquela mulher, até que o fogo se apagasse. Não foi diferente com a psicóloga pernambucana toda gostosona, uma ruiva de cabelos dourados em cachos. Aquele corpão cheio de sardas e os pelos dourados das pernas grossas sem depilar deixavam Paulo Cocô paralisado, quase letárgico.  

   Foi uma paixão tão avassaladora que o Don Juan gorducho ficou com a chave do rabo torta. Ele se esmerava em gentilezas, cobrindo-a de mimos caros e jantares nos melhores lugares de Salvador. Adorava o canard à l’orange do Saint Honorèe, restaurante do hotel Meridien. Harmonizava o pato com o melhor Bordeaux disponível na casa, a mais sofisticada da cidade, naqueles anos 70. 

Um dia Paulo Cocô organizou uma viagem a Recife, para visitar a namorada. Convidou um casal de amigos e lá se foram, no seu Chevette preto com roda tala-larga. Ele seria apresentado oficialmente à família, uma das mais tradicionais de Pernambuco, herdeira dos senhores do açúcar. A ruiva morava com os pais, num belo casarão em Casa Forte, um dos bairros mais antigos da cidade erguido em terras de engenho, à beira do rio Capibaribe.  

   Naquele fim de semana, os dois amantes foram à praia em Itamaracá. Permaneceram horas a fio em contemplação mútua e silenciosa, como se ouvissem Lia cantar uma ciranda. Quase em transe, Paulo Cocô não tirava os olhos da namorada, parecia adorar uma deusa do nirvana. Ela seguia muda, com seu nariz empinado.

   O casal amigo foi abandonado à própria sorte, no Recife. Só reencontrou Paulo Cocô quando foi buscá-lo em Casa Forte, na manhã da viagem de volta. Transtornado, de ressaca física e moral, estava sozinho na calçada, sentado sobre a mala, em frente a mansão. Havia sido expulso pela sogra e ameaçado pelo sogrão, de levar uma surra de facão.  

   Na noite anterior, Paulo Cocô perdera o controle, a pose, e exagerou nas despedidas. Enfiou a cara na cachaça. Bebeu e comeu tudo o que tinha direito. Voltou para casa quase em coma alcoólico, carregado pela namorada - e dormiu no sofá da sala de visitas. 

  Acordou no meio da madrugada, ainda bêbado, com uma dor de barriga desgraçada e largou o barro: deu a maior cagada de sua vida, literalmente, bem no meio da cozinha. Deixou um imenso morrão fedorento sobre o piso caríssimo, de porcelana vitrificada, e voltou a dormir no sofá. A merda só foi descoberta na manhã seguinte. 

   Até hoje ele não lembra como tudo aconteceu. Nunca mais Paulo Cocô sequer ouviu falar da sua inesquecível ruiva de Casa Forte.