Cultura

VINHO e dendê estimulam apetite do gordo na semana santa, OTTO FREITAS

Hoje o dendê integra praticamente todos os pratos servidos no almoço da Sexta-Feira
Otto Freitas , da redação em Salvador | 18/03/2013 às 09:29
Que tal esse vatapazinho para fechar a semana santa!
Foto: DIV


Como a dieta ficou para trás, desde as festas de fim de ano e do verão, passada a folia de Momo os gordinhos estão correndo agora para recuperar o atraso. Voltam aos consultórios dos nutricionistas em busca das dietas salvadoras; tentam fechar a boca, entregam-se até mesmo à oração, o jejum e à penitência, como convém nesse período da Quaresma, que começou na terça-feira de Carnaval.

Conforme as recomendações da Igreja do Papa Francisco, nesse época não se deve comer carne - o que só é respeitado, efetivamente, na Sexta-Feira da Paixão (nesse dia, aliás, o jejum deveria ser total, a pão e água, até o meio da tarde, quando então é servida uma grande refeição). 

Aproveitando a deixa, os obesos mais dedicados suspendem a bebida e adotam uma dieta magra, à base de peixe, frango, folhas e legumes, cumprindo sua penitência particular, mesmo sem qualquer motivação religiosa. 

Mas este é um sacrifício cheio de expectativa, de uma espera ansiosa pelo fim da abstinência quando a Quaresma acabar, no domingo de Páscoa. Os gordinhos passam o jejum babando, com a boca cheia d´água, só pensando no vinho e na comilança que os esperam na Sexta-Feira da Paixão. 

Ainda mais que no dia seguinte tem o tradicional sábado de Aleluia. A orgia gastronômica estende-se, sobretudo nos bairros populares, até a noite, cujo apogeu se dá no churrascão e na cervejinha gelada servida após a queima do Judas, com tudo nos conforme, inclusive a leitura do testamento.

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Originalmente, o banquete religioso da Sexta-Feira Santa tem um cardápio tradicional, herança da Europa católica, à base de bacalhau e outros peixes preparados em receitas variadas e acompanhamentos diversos, além do vinho tinto, outra herança europeia (utilizado na liturgia da Igreja, simbolicamente, como o sangue de Cristo). 

Esse hábito foi preservado por muito tempo pelas famílias baianas mais abastadas, inclusive as de ascendência europeia. Depois, com o tempo, o costume popular de utilizar o azeite de dendê nas refeições diárias, sobretudo em Salvador, tornou-se hábito de ricos e pobres, negros e brancos, também na Semana Santa. 

Hoje o dendê integra praticamente todos os pratos servidos no almoço da Sexta-Feira. Sobre a grande mesa, além da toalha branca de linho bordado, o dendê está em adaptações de receitas europeias, como a criação, por exemplo, das moquecas de bacalhau e de outros peixes. 
 Vários pratos de origem tipicamente africana, geralmente comida de santo, de orixá, passaram a compor as mesas baianas também no almoço da Sexta-Feira Santa.

 Entre eles, destacam-se, principalmente, caruru, vatapá, efó, arroz de hauçá (uma das receitas preferidas de Jorge Amado) e xinxim de galinha. 

Então, como é que se pode fazer dieta diante de um banquete desses, cheio de cheiros, cores e sabores da mãe África. Ainda mais se o fofão tiver Xangô como orixá de cabeça. Como ensina o pai véio José de Jesus Barreto, mestre de credibilidade no assunto, as pessoas de Xangô têm certa tendência à obesidade, até porque gostam dos prazeres de uma boa vida.

Cheio de razão, Jeffinho vai logo entrando na tertúlia: ora, veja, esse menino! Faça-me uma garapa - ou melhor, um aluá (sumo da casca de abacaxi de infusão na água), que é bebida de santo, apropriada para acompanhar esse cardápio euro-afro-brasileiro da Semana Santa.