Cultura

DILEMA DE GORDO NO CAFÉ DA MANHÃ: DIETA OU FEIJOADA. POR OTTO FREITAS

Comer feijoada pela manhã virou uma mania
Tasso Franco , da redação em Salvador | 15/10/2012 às 11:13
Isto é que significa café da manhã reforçado de um gordo
Foto: DIV
  Seja Jeffinho ou Ronaldo Fenômeno, geralmente gordo não se alimenta de manhã, não sente fome, porque come demais na véspera, antes de dormir, durante o irresistível rango noturno. Jeffinho mesmo sempre acordou tarde e seu desjejum se limitava a um cafezinho preto e um cigarro. Seguramente, um breakfast  pé-na-cova.


  Os nutricionistas se esmeram nos cardápios-dieta para seus pacientes gordos. É quase sempre a mesma coisa, tudo pouco, insípido, inodoro e incolor; uma tortura, tédio total, não tem bom humor de gordo que suporte: chá, em vez de café; frutas e fibras, como granola, linhaça e farelo de aveia; queijo branco sem sal e com sabor de um purgante com leite de magnésia; pão integral light, a seco, com aquela geleia de água não identificável, ou com o insosso peito de peru light em rodelinhas transparentes, quase invisíveis de tão finas. Nesse cardápio não vai nem um ovinho frito boiando na manteiga nem nada!


   Há alternativas de desjejum mais radicais, coisa de gordo maluco, que recorre a soluções esdrúxulas para emagrecer, tipo beber o sumo de um até dez limões, em dias seguidos, primeiro em ordem crescente e depois no sentido inverso. Menos mal é o suco verde, que mistura couve e banana verde cozida, uma fruta e semente de linhaça, tudo batido no liquidificador.


   Tem ainda quem toma Coca-Cola Zero em vez de chá ou café e os poucos privilegiados que comem morangos e bebem champanhe, com aquelas borbulhas deliciosas saudando o amanhecer.


   

Dizem os nutricionistas que no café da manhã deve-se comer como um rei, no almoço como um príncipe e no jantar como um mendigo. Para Jeffinho e muita gente boa, gorda ou magra, rei que é rei de verdade come é feijão no café da manhã. Feijão é a semente contida na vagem do feijoeiro. É também como o baiano de Salvador chama a feijoada completa na intimidade. É um prato campeão, vence até as moquecas na preferência popular.

Essa iguaria de influência portuguesa é tão boa que se adaptou a variações para todo gosto, desde o feijão de currute (só temperado, sem carnes) até a feijoada completa, com feijão mulatinho, todas as carnes salgadas e os embutidos. Esta é a forma tradicional. Quem gosta de sabores mais fortes, além das carnes eventualmente acrescenta mocotó e fato (pés e vísceras do boi).

Mas tem quem prefira feijoada com feijão preto, branco (nesse caso a feijoada se chama dobradinha e todas as carnes são cortadas em cubos), andu ou mangalô. Há inúmeras outras espécies dessa leguminosa de muitos sobrenomes, como o feijão verde, que se serve temperado, cozido ou de salada, e o fradinho, usado em saladas com camarão seco, cozido com dendê para acompanhar o caruru ou ainda na versão da feijoada com azeite de dendê.


Se você ouvir alguém dizer que vai pegar ou bater um feijão, não se assuste. Este é um jeito alegre de anunciar que vai comer uma feijoada com a vontade e disposição de traçar  um ou dois pratos. Para acompanhar, é indispensável uma boa farinha, fina e bem torrada, lá de Nazaré; salada verde, preferencialmente de agrião, com rodelas de tomate, pepino temperado e amaciado na água e sal, rodelas de cebola crua; e um bom molho lambão de pimenta verde feito na hora, fresquinho.

Antes de comer, uma pinga ou duas; durante a peleja, uma cerveja de geladeira, que assegura temperatura ideal; para arrematar, Coca-Cola bem gelada, para desgastar a refeição. Um pedaço de goiabada cascão com queijo vai bem de sobremesa, para tirar da boca o gosto gorduroso e limpar o paladar.

Fora de casa, pode-se encontrar um bom feijão qualquer dia, a qualquer hora, até de madrugada, nos mercados das Sete Portas, Itapuã e do Peixe, no Rio Vermelho; nas Ceasas do Ogunjá e do Rio Vermelho; na feira de São Joaquim e no Quatro Rodas, como é apelidada a Kombi estacionada em Amaralina, onde boêmios em fim de farra, durante a madrugada, comem feijão, rabada, mocotó, língua de ensopado e outras iguarias de igual quilate e potencial calórico.

Mas o feijão do café da manhã, geralmente nos fins de semana, já virou tradição em Salvador. É quase uma instituição. Assim como tem sua baiana preferida, para comer o acarajé no fim de tarde, todo soteropolitano tem seu boteco ou tabuleiro de rua para comer feijão de manhã cedo. Há inúmeras alternativas, sobretudo na periferia, onde o prato é servido exclusivamente ao amanhecer. Tem que chegar cedo, porque o feijão é sempre concorrido e quando acaba, acaba.

Em Lauro de Freitas, tem o feijão de Valter, na feira, de Jorjão, em Ipitanga, e de Januário, na Toca do Sapo, Estrada do Coco; em Itapuã tem o feijão de Alice; na Cidade Baixa tem o feijão de Moreno, nos Dendezeiros, e o dos filhos de Dona Tereza, que preservam o ponto antigo e tradicional do Porto da Lenha, no Bonfim; no largo da Cruz da Redenção, em Brotas, Edelzuita começa a servir o feijão às 6 da manhã.


Jeffinho adora, quase venera um prato de feijão, mesmo que seja de currute, a forma de preparo mais simples e pobre. Mas adverte: não convém abusar dessa feijoada tão saborosa e popular, farta em carnes gordurosas, colesteróis e triglicérides, pois ela esconde muitos perigos. Mas, afinal, viver é perigoso mesmo.








* Otto Freitas (otto.freitas@terra.com.br), 59 anos, é jornalista, formado pela Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia. Atua na imprensa baiana há quase 40 anos, em revistas, jornais e TV; comunicação corporativa e jornalismo digital.