Cultura

JEFFINHO PÁRA DE FUMAR, DOBRA APETITE E FICA MAIS GORDO.p OTTO FREITAS

VIDA DE GORDO não é fácil
| 17/09/2012 às 09:23
Com receio da morte, Jeffinho se retou e parou de fumar e lá se vão 12 anos
Foto: CRAS
 

Protegido e acomodado nas forquilhas mais altas e confortáveis do pé de araçá, no quintal da avó, na Cidade Baixa, Jeffinho mal entrava na adolescência quando deu as primeiras tragadas em um cigarro Minister. Tudo sob a orientação do Peixe, um tio muito próximo, pela afetividade e pela pequena diferença de idade. O Peixe é corrente, um tio-irmão, até hoje.

Foi o Peixe que ensinou Jeffinho a empinar arraia, jogar gude, ferrinho e pegar pião na mão; caçar calango com badogue e dançar nos bailes populares do antigo forte da Lagartixa, na avenida Jequitaia. Magrelo e comprido, o Peixe  era assim uma espécie de malandro do bem, desses que não existem mais: campeão de cuspe à distância, chegou a pintar a cabeça de um papa-capim de vermelho para vender como se fosse um cardeal.  O comprador, um vigia chamado Amor, estava embriagado, evidentemente.


Depois do Minister veio o Continental sem filtro, em baganas roubadas dos cinzeiros de casa, ou cigarros inteiros, expropriados dos estoques do pai. Daí Jeffinho começou a comprar Hollywood  com filtro, a retalho, até que, em um veraneio, ganhou um maço jogando argolas nas barracas armadas na praça Dorival Caymmi, durante a festa de Itapuã.


Ainda era adolescente quando passou a fumar um maço por semana, até atingir, já adulto, a marca recorde de três maços por dia. Virou um fumante inveterado, viciado total. Com a maturidade, tornou-se também apreciador de bons charutos, saboreados em ocasiões de reflexão solitária ou após almoços e jantares prolongados com amigos, entre cafés, licores e conhaques.  

 

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Depois de fumar por mais de 30 anos, sem interrupção, e levando uma vida extravagante, Jeffinho se tornou um fumante obeso, ou vice-versa, dá no mesmo. Não aguentava subir nem mesmo escada de casinha de boneca. Ficava sem fôlego, respirando com dificuldade, botando os bofes para fora.


Viu-se, então, diante do dilema cruel: parar de fumar, fazer dieta rigorosa e emagrecer, ou morrer sem ar, sufocado. Jeffinho tremeu de medo, ficou com o fiofó  piscando. A mulher ao lado na cama tossia feito uma condenada; os filhos faziam apelos assustados, com medo de ficarem órfãos. Ele próprio levou um tempo buscando a própria convicção.


Um dia Jeffinho se retou e parou de vez. Ele gosta tanto dos prazeres da mesa que achou mais fácil deixar o cigarro. Aproveitou a abstinência forçada durante os oito dias que ficou no hospital, após uma cirurgia. Chegou lá com três cigarros na caixinha de Carlton. Fumou os três. Foram os últimos dessa vida. Jeffinho nunca mais fumou, lá se vão 12 anos.


Foi um tempo muito difícil, pois se juntaram as limitações do pós-operatório com as crises de abstinência de nicotina. Jeffinho ficou abalado, quase enlouqueceu. Gritou, xingou, quebrou fechaduras e os cinzeiros que se espalhavam pela casa. Nada ficava de pé, à sua volta. Não sobrou pedra sobre pedra.


Mas valeu a pena. Ganhou fôlego novo e apetite redobrado. Pôde comprovar todos os discursos que ouvira ao longo da vida, sobre os efeitos positivos para a saúde, a recuperação dos sentidos, principalmente o olfato e o paladar. Tornou-se capaz de perceber profundamente todos os perfumes e sabores e assim aproveitou ainda mais os prazeres da mesa.


O gordo enfiou o pé na jaca, comendo e bebendo intensamente, sem regras, nem restrições. Seguia com as farras homéricas e se mantinha bem longe de qualquer esforço físico que não fosse levantamento de garfos e copos. Não deu outra: Jeffinho, que já era um grande obeso, engordou mais 40 quilos, em pouco tempo. Foi mais rápido do que encher balão de gás.


 Hoje, Jeffinho segue na luta de toda a vida para emagrecer. Apesar dos 40 quilos a mais, não se arrepende, nem sente falta do cigarro, nem mesmo se incomoda com as baforadas do fumante ao lado. Não se tornou um ex-fumante xiita, chato, murrinha. 

Melhor é não fumar. Mas não se pode negar como um cigarrinho é gostoso e relaxante, certas horas. Sem falar naquele charutinho cubano, após uma lauta refeição. Mas, enfim, a vida é feita de escolhas, como dizem os livros de auto-ajuda. Melhor é ser um gordo ex-fumante. Pelo menos, enquanto ainda não dá para ser um magro ex-fumante.





* Otto Freitas (otto.freitas@terra.com.br), 59 anos, é jornalista, formado pela Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia. Atua na imprensa baiana há quase 40 anos, em revistas, jornais e TV; comunicação corporativa e jornalismo digital.