Engana-se quem pensa que todo gordo é igual. Não é não. O gordo é diferente fisicamente (tem o tipo maçã e pera, por exemplo) e no perfil psicológico (tem os alegres e bem humorados e os calados e deprimidos). Também com relação à comida, cada gordo tem seu jeito próprio de se relacionar com ela.
Tem gordo que come por comer, compulsivamente, e come qualquer coisa, a qualquer hora, e cada vez mais, a cada dia - o estômago parece um saco sem fim. Há aqueles viciados em doce e os que assaltam a geladeira na madrugada; os que comem para espantar a tristeza, afastar a depressão ou aliviar a ansiedade.
Jeffinho não assalta a geladeira, não come de tudo, nem come por comer, mas tem suas horas críticas ao longo do dia: fim de tarde (momento sagrado do acarajé com Coca-Cola) e à noite, antes de dormir, quando a cabeça pede o rango noturno. São momentos difíceis, a fome aperta para valer, é quase impossível controlar. Há ainda a alternativa dos beliscativos terapeuticos, como a pipoquinha durante a sessão da tarde na TV, acompanhada por refrescantes sucos naturais, bem gelados, de cajá ou de umbu, preferencialmente.
Em algumas refeições, Jeffinho é compulsivo, come sempre mais do que deve. Talvez sua leptina, o hormônio da saciedade, que avisa ao cérebro que é hora de parar de comer, seja lerda, mande o aviso sempre atrasado, parecendo baiano preguiçoso deitado na rede.
Pelo menos, Jeffinho é seletivo no que come. Tirando chocolate e sorvetes de frutas tropicais, não gosta de doces; prefere os salgados, fora coxinhas, croquetes e afins. Adora as apimentadas salteñas, quibe frito tradicional e pastel de carne ou de queijo - pastel verdadeiro, de padaria, massa crocante, cheia de bolhinhas.
Não dispensa os queijos, patês e embutidos, mas esse negócio de pastel-de-tudo ou coxinhas e risoles de queijo catupiri não é com ele. Muito menos pizza com aquelas bordas entupitivas para diminuir o tamanho da própria e enganar os bestas que não sabem o que é comer. Se soubessem, só comeriam pizza como último recurso e na hora do lanche.
Jeffinho também não gosta desses fast foods modernosos que transformam um sanduiche em monstrengos exagerados que não cabem na mordida. Nada como a simplicidade de um sanduiche de pernil, de mortadela, de presunto Parma ou de salame no pão francês, crocante e bem quentinho, com alguns fios de um bom azeite de oliva extra-virgem. Isso sem falar do sanduiche de pão francês da hora com queijo tipo reino e do inigualável pão com ovo.
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Fora esses lanches específicos e os petiscos de bar, Jeffinho é um gordo que prefere a mesa e os talheres, comida verdadeira, de qualquer nacionalidade. Se for possível, dispensa a alta gastronomia, com aquelas quantidades de brinquedo. Nem tanto, nem tampouco.
Para ele não há nada como o feijão com arroz de todo dia, com um suculento bife grosso mal passado a cavalo (um amanteigado ovo frito de quintal por cima). Também são muito bem-vindas as alternativas pesadas, de boa procedência, como sarapatel, mocotó e rabada; assim como as moquecas baianas, o xinxim de bofe, o arroz de hauçá e o bobó de camarão; o cozido e o bacalhau a portuguesa; o polvo a espanhola e a paeja marineira; as massas são prediletas, mas não despreza as comidas chinesa e árabe, nem a boa e velha cozinha francesa.
O fato é que Jeffinho gosta de quase tudo, tirando caruru, jiló, caranguejo e siri, peixe com espinha e frango com osso e pele. Sempre que pode, principalmente nos restaurantes, segue religiosamente o ritual de entradinhas, prato principal, sorvete de sobremesa, café e licores ou conhaque (o charuto foi abandonado desde que parou de fumar).
Por tudo isso e otras cositas más, Jeffinho é um gordo feliz.
* Otto Freitas ([email protected]), 59 anos, é jornalista, formado pela Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia. Atua na imprensa baiana há quase 40 anos, em revistas, jornais e TV; comunicação corporativa e jornalismo digital.