Cultura

GORDO NÃO CABE NO ÕNIBUS, NO CARRO, NO CINEMA E TEATRO, p OTTO FREITAS

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| 29/05/2012 às 08:24
Não há poltronas reservadas para gordos nos aviões
Foto: DIV

  Além do avião, os gordos (e deficientes físicos) precisam enfrentar graves apertos e sérios problemas de mobilidade e acessibilidade no seu dia-a-dia. Não conseguem sequer o mínimo que a Constituição lhes garante. Assim, precisam lutar contra um leão por dia, para conquistar alguma liberdade de ir e vir e de ficar. É uma falta de respeito.


  O ônibus, por exemplo, que geralmente é um meio de transporte péssimo para a população em geral, para o gordo é perverso. Para todos, é apertado, desconfortável, perigoso, lento e caro; para o gordo é discriminatório, pois não há cadeiras apropriadas para os obesos, que em algumas situações sequer conseguem subir no veículo, alto demais em relação à rua ou a calçada. 


   Ainda bem que, mesmo lentamente, esta situação vem se modificando em algumas capitais, inclusive pela força de ações judiciais movidas por obesos, como aconteceu recentemente em Mato Grosso do Sul. Em Salvador, uma lei municipal autoriza o acesso de gordos e grávidas pela porta dianteira (obviamente, eles não conseguem ultrapassar a catraca), mas é omissa quanto a exigência de cadeiras adaptadas.


   Desse modo, na cidade da Bahia a maior parte da frota continua sem oferecer assentos mais largos para os obesos. Só os poucos veículos novos trazem essa adaptação, e mesmo assim apenas uma cadeira especial por carro. Também são poucos os ônibus da frota adaptados com elevadores e espaços específicos para cadeirantes.


   Sem chances com o transporte público e como andar de táxi é financeiramente inviável, para se mover na cidade o gordo precisa ter grana para comprar carro grande, pois também não cabe nesses carros ditos populares, que devem ter sido criados para transportar asiáticos ou pigmeus. Quando um gordo entra, o carrinho logo empena para o lado; o cinto de segurança é curto, insuficiente para contornar a imensa circunferência; e o volante vai fazendo mossa, quase uma vala na barriga, mesmo com o banco todo para trás. O gordo, coitado, dirige todo atochadinho, bufando.  


   Apanhar alguma coisa no porta-luvas é impossível; no chão do carro, é impensável. E o gordo ainda tem que ouvir desaforo e ameaças dos flanelinhas, que ficam retados porque não recebem gorjeta; é que, também por causa da barriga, não dá para pegar a moeda no console do carro.


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   Tirando igreja evangélica e posto de gasolina, o que mais tem em Salvador é cinema, principalmente depois da abertura de novos shoppings centers. São todos moderníssimos, com sofisticada tecnologia de imagem e som. As poltronas são confortáveis, mas para quem está em dia com a balança. Para os gordinhos são estreitas; eles sofrem, precisam sentar meio de banda, com os braços cruzados sobre a barriga, para não incomodar o vizinho. Sem contar que ainda é obrigado a ver o filme com a coxa doendo, impressada naqueles malditos porta-copos.


   Poltronas especiais, mais largas, para gordo, nem em sonho. Há salas em que os braços são móveis, feito cadeira de avião, mas isso não resolve o problema do gordo e cria um novo para o seu vizinho, mesmo que seja magro. Uns poucos cinemas oferecem espaços para cadeirantes, mas na primeira fila, onde o sujeito só vê o filme de baixo para cima e acaba a sessão com dor de cabeça e pescoço torto.


  Teatro, então, é um vexame. Sem contar os modernosos, que parecem poleiros, a grande maioria não pensa nos gordos. Os caras acham que teatro pequeno é sinônimo de cadeirinha de casa de boneca, o que não é verdade. Em Salvador mesmo há teatros pequenos com boas cadeiras, que aguentam o gordo, se ele não se espalhar muito.  

Principalmente aqueles chamados de salas, há teatros vergonhosos, com suas cadeirinhas plásticas tão pequenininhas, tão baixinhas e tão frágeis que a tal sala mais parece auditório de anão - anão magro, porque se for gordo vai sobrar um monte de banda de bunda de anão para fora dos assentos.  






* Otto Freitas (otto.freitas@terra.com.br), 59 anos, é jornalista, formado pela Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia. Atua na imprensa baiana há quase 40 anos, em revistas, jornais e TV; comunicação corporativa e jornalismo digital.