Cultura

SOBRE GORDOS E OS MÉDICOS, HOSPITAIS, EXAMES E AFINS. POR OTTO FREITAS

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| 13/05/2012 às 21:00
Vida de Gordo não é fácil. O paciente obeso requer cuidados especiais
Foto: DIV
 

Gordo é problema, pepino, abacaxi cascudo para médicos, enfermeiros e outros profissionais da área de saúde, inclusive porque se trata de um paciente de risco. Mas o fato é que o sistema de saúde não consegue atender quem está muito acima do peso - principalmente nesses tempos em que a cirurgia bariátrica é vendida como se fosse a única solução para a obesidade, mesmo as não tão mórbidas assim. 
 

Para começar, gordo é um paciente difícil de examinar, o médico às vezes precisa fazer convênios com videntes, tarólogos e pais de santo.  Na coleta de sangue, por exemplo, é um terror: ninguém acha uma veia, todas escondidas sob aquela gordura toda. É um fura-fura desgraçado, até que encontram uma veiazinha no lugar mais improvável, excetuando-se aquele que o caro leitor está imaginando.


Ao mesmo tempo, também é um desafio e um estímulo ao desenvolvimento da tecnologia da bioimagem (tomografia computadorizada e ressonância magnética, principalmente), seja para fazer leituras e registros precisos, depois de ultrapassar a banha, seja para abrigar o balofão - geralmente, gordo não cabe nos aparelhos ou os equipamentos não suportam o peso, sem contar que quase todo obeso é claustrofóbico.


Ainda bem que a tecnologia está avançando, agora que os gordos são mais da metade da população brasileira. Já existem algumas clínicas onde os aparelhos têm maior abertura (mais de 60% dos procedimentos são realizados com a cabeça do paciente fora do scanner) e mesas que suportam até 240 kg.

 

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Quando precisa ser hospitalizado, o sofrimento do gordo começa na troca de roupa: geralmente não há tamanhos grandes daquelas camisolas ridículas que deixam o paciente com a bunda de fora e jeito de retardado, parecendo o personagem de Jack Nicholson depois da lobotomia, em O Estranho no Ninho. O sujeito já está doente, deprimido, agoniado, com um medo de morrer da zorra, e ainda tem que ficar com a bunda de fora - no caso do gordo, um bundão enorme, todo molengo, parecendo um imenso vale cheio de buracos. É um vexame.

Macas e mesas cirúrgicas são pequenas e estreitas. Sair da cama para a maca e desta para a mesa, e vice-versa, é um processo que requer sofisticada logística. Enfermeiro fraco ou que tenha medo de entortar a coluna vertebral vai logo pedindo para o paciente gordo "se ajudar"; ou então é preciso selecionar os mais fortes da casa, entre auxiliares de enfermagem, faxineiros e seguranças, isso quando não se convoca logo o Corpo de Bombeiros, que é mais garantido, para carregar aquela montanha.


Na hora da cirurgia, o gordo deixa os anestesistas com as pernas bambas. Todos morrem de medo quando precisam encarar um paciente obeso em qualquer procedimento cirúrgico, por mais bobo que seja. Até porque a dose do anestésico vai depender do tamanho da criança.


Jeffinho mesmo já curtiu muito barato de anestesia, sobretudo naquele tempo em que, para rápidos procedimentos, bastavam um cheirinho ou uma pastinha cor de abóbora sob a língua. Por conta deles, fez algumas viagens maravilhosas. Mas não se esquece mesmo é daquela tarde em que ficou no maior love com a enfermeira, entre beijos e margaritas , embaixo de uma mangueira frondosa à beira-mar.


É uma pena que os anestésicos modernos avançaram muito, nem dor de cabeça provocam - e Jeffinho não pode mais curtir os deliciosos efeitos das antigas viagens eróticas.  




* Otto Freitas (otto.freitas@terra.com.br), 59 anos, é jornalista, formado pela Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia. Atua na imprensa baiana há quase 40 anos, em revistas, jornais e TV; comunicação corporativa e jornalismo digital.