Cultura

A SÍNDROME DA CLASSE ECONÔMICA DE AVIÃO AFETA A QUEM É MAIS GORDO

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| 21/11/2011 às 09:01
Hoje, as aeromoças só oferecem guaraná e uma barra de cereal
Foto: REP
  Jeffinho não tem medo de avião. Muito pelo contrário. Adora voar. Para compensar o terror que os gordos enfrentam atualmente, alimenta a saudade dos velhos tempos de grandes companhias como Vasp e Varig (Jeffinho não alcançou a Cruzeiro do Sul e muito menos a Panair). As poltronas eram confortáveis e espaçosas; serviam refeições decentes e bebidas importadas, em pratos de louça, copos de cristal, talheres de prata e guardanapos de linho. Naquela época, as comissárias de bordo ainda eram aeromoças - tão lindas quanto eficientes.


  Mas os tempos são outros. Em vez de aeromoça, tem comissário de bordo, de qualquer sexo. A tecnologia avançou, as aeronaves são modernas e sofisticadas, com autonomia para viagens transcontinentais. Mas conforto que é bom foi minguando e só quem pode pagar tem algum. A modernosidade que tornou o mundo pequeno embarcou no avião junto com a tal síndrome da classe econômica que acomete o passageiro de vôos com mais de quatro horas de duração.


  Se o sujeito não for precavido, levantando-se de vez em quando para esticar as pernas um bocadinho, o risco de uma trombose e até de morte, por conseqüência, é iminente. Se o passageiro for gordo, além dos problemas circulatórios, pode ficar literalmente entalado na estreita poltrona do avião.


  É na classe econômica que a cobiçada nova classe média brasileira, por exemplo, vem fazendo suas primeiras viagens de avião. Gerbinha, prima distante de Giba, nunca tinha viajado de avião e fez sua estréia logo em um vôo internacional, duração média de 10 horas.


  Gerbinha
é uma paraibana gorducha, baixinha, sem pescoço, um cotoco de gente. Mora no Crato, Ceará, lá no sertão do Cariri. Ela nem sabia direito como abrir e fechar o cinto; tinha vergonha de chamar a comissária a toda hora. Ficou acesona a viagem inteira, curtindo a novidade, guardando xixi, e bebendo todos os líquidos que lhe ofereciam. Além do mais, ninguém consegue mesmo dormir naquela cadeirinha, que chamar aquilo de poltrona é de um cinismo revoltante.


  Não deu outra. Gerbinha foi inchando, inchando, e ao final da viagem estava maior do que Dona Redonda, a que explodiu no ar. Na hora do desembarque, não conseguiu se levantar. Fez várias tentativas, em vão. Puxavam a criatura pelos braços, mas não adiantava. Gerbinha estava completamente entalada na poltrona da aeronave.


  Foi um Deus nos acuda, um corre-corre como jamais se havia registrado, em certo aeroporto europeu. Mobilizaram toda a tecnologia disponível. Convocaram paramédicos, bombeiros e a defesa civil. À medida em que o tempo passava, a gorducha inflava cada vez mais.


  Encheram a coitada de diuréticos, para ver se ela murchava. Mas não teve jeito. Depois de duas horas de humilhação, constrangimento e tentativas fracassadas, resolveram desmontar a cadeira para resgatar Gerbinha.


  Já quase desfalecida, toda molhada de suor e xixi, foi levada direto para o hospital. Fisicamente, ela se recuperou. Mas faz terapia até hoje - ela se mija toda quando vê um avião.


  Gerbinha
agora só viaja de pau-de-arara. Pode demorar mais para chegar ao destino, mas ela se sente muito mais confortável...


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  Giba, o primo distante de Gerbinha, também é paraibano, mas de Campina Grande, conterrâneo de Jackson do Pandeiro. É um sujeito educado, generoso e solidário. Rei do mar de Coruripe, soberano da Ponta Verde, compartilha com os amigos o seu paraíso no belíssimo litoral das Alagoas, como anfitrião de primeira que sempre foi.


  Por conta do seu ofício de engenheiro, Giba viaja muito de avião. É dele a colaboração que se segue. Ele enriquece esta crônica com seu depoimento criativo e de incontestável credibilidade. Giba enviou o texto diretamente do seu Ipadim 2:

"Tudo é pequeno. Grande só o aperto e a vontade de chegar logo, tanto na ida quanto na volta. As cadeiras são confortáveis para moradores da África subsaariana depois do jejum. Pior, ainda, é viajar no meio de dois gordos.


  Japonês, por natureza, deve ser um dos poucos seres humanos que se desenrolam com facilidade na classe econômica de um vôo internacional. A gente, acostumada com tudo folote, sofre que nem suvaco de aleijado.


  Tudo é muito apertado. Os espaços são minúsculos. O banheiro é para cagada de recém nascido. Só é grande a sucção do vaso - e se o indigitado vacilar vão embora a cueca, a camisa e até o saco.


  O travesseiro é do tamanho de um sabonete. Se o cara tiver um pau de venta, só ele (o pau da venta) repousa. As porções de comida parecem amostra grátis, daquelas oferecidas em bancas de propaganda nos corredores de supermercado. Os talheres são de casinha de boneca.


  O kit pasta/escova-de-dentes é suficiente para quem só tem um dente - no máximo dois, e juntos, pois se forem separados a pasta acaba no meio do caminho.

É tudo muito pequeno e apertado... que nem ‘brecha de pedra', como dizia Rui Bolivar".


* Otto Freitas (otto.freitas@terra.com.br) é jornalista, formado pela Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia. Atua na imprensa baiana há mais de 30 anos, em revistas, jornais e TV; comunicação corporativa e jornalismo digital.