Cultura

NELSON MOTA MINIMIZA POLÊMICA SOBRE LIVRO DE GLAUBER ROCHA

VIDE
| 07/11/2011 às 10:48

Poucos minutos após o fim do primeiro tempo do jogo entre Internacional x Fluminense, ainda com o fone de ouvido nas mãos, o torcedor do tricolor fluminense e também produtor cultural, jornalista, compositor e escritor Nelson Motta iniciou um bate-papo com jornalistas na noite do último domingo (6).

O encontro foi na 10ª edição da Bienal do Livro da Bahia, no Centro de Convenções, em Salvador. Ele esteve na capital baiana para lançar o seu novo livro ‘A Primavera do Dragão - A Juventude de Glauber Rocha' (Ed. Objetiva), obra sobre a vida do cineasta baiano, um dos principais nomes do Cinema Novo, movimento de grande importância do cinema nacional no início da década de 60.


Para retratar o processo de formação do cineasta, Motta reúne histórias e anedotas da infância e juventude de Glauber, contadas de maneira leve e bem humorada. "Na juventude é que os artistas estão mais soltos, mais inocentes. Eles ainda estão florescendo, e é nesse momento de florescimento que eles acham que podem fazer tudo... E, às vezes, fazem mesmo", avalia.


Em entrevista ao G1, o autor também fala da sua ligação com a Bahia, da influência do escritor Jorge Amado na sua trajetória literária, e rebate críticas inspirado em outro cineasta, o diretor americano John Ford: "Em um dos seus maiores filmes, ele termina com a frase na tela ‘Se a lenda é melhor do que o fato, imprima-se a lenda!'".

G1 BA - Como você escolhe os personagens para os seus livros e biografias?

Nelson Motta - Eu não sou um biógrafo profissional. Há biógrafos profissionais que eu admiro muito, como Ruy Castro e Fernando Moraes. O impulso é que me leva a escrever sobre o Tim Maia e o Glauber Rocha, por exemplo, é o amor da amizade. Eles são amigos queridos, pessoas que eu adorava e que eu queria homenagear de alguma forma, e uma boa maneira é mostrar nos livros como eles eram realmente. Eu não inventei nada de Glauber Rocha, como não inventei sobre Tim Maia. No livro do Tim tem uns equívocos também, mas isso é normal porque você vai lá e corrige, e graças a Deus meus livros têm muitas e muitas edições.

G1 BA - Uma biografia muitas vezes gera polêmica e controvérsias. Como você encara as críticas que recebeu por este livro?

Nelson Motta - Nada melhor do que uma boa polêmica para esquentar um livro, não é? Acho que isso é uma "polemiquinha" de nada. Uma polêmica por causa do nome de um cara que se chamava Bananeira e o outro não chamava, ou a atriz que era Pereira e não Coutinho, ou na boate Anjo Azul que não tinha um quadro de Carlos Bastos, mas um mural... São "merrequinhas" no meio de 360 páginas! A grande parte do livro é a parte final, o making of do filme "Deus e o Diabo na Terra do Sol", isso sim é importante. O importante também é toda a vida do Glauber no Rio de Janeiro quando ele criou o Cinema Novo, assim como quando Glauber se consagrou no Festival de Cannes. Esses são os grandes momentos do livro. No mais, são pequenos casos, episódios, anedotas, piadas que um ou outro não estava, e isso não faz a menor diferença.

G1 BA - Por se tratar de uma biografia sobre um cineasta, você já pensou em fazer um filme baseado na obra de Glauber Rocha?

Nelson Motta - Não, porque quando eu estou escrevendo um livro eu evito, de todas as formas, pensar aquilo como um roteiro de filme. Eu acho que você corre o sério risco de nem fazer um roteiro e nem fazer um romance ou uma biografia. Mas nesse caso, pela própria natureza do protagonista e do trabalho dele, é um filme pronto, é só rodar. O livro mostra todo o processo de formação e criação do artista. Mostra ele aos 22 anos levantando uma produção, como a do filme "Deus e o Diabo na Terra do Sol", um épico com 500 figurantes no meio do sertão com as condições mais precárias. Ele fez uma obra prima e se tornou um dos maiores diretores de cinema do mundo aos 24 anos! Isso é uma história cinematográfica. Vários diretores de cinema já me ligaram [interessados em rodar um filme].

G1 BA - Poderia adiantar o nome de algum dos diretores interessados?

Nelson Motta - Não, porque vamos resolver com calma isso. Eu acho que não basta ser um bom diretor, o cara tem que ter certo humor para fazer esse filme, afinal, trata-se da história de um jovem de 16, 17 anos. É tudo leve, não é uma história trágica, apesar de ter alguns momentos dramáticos.

Eu quis muito escrever sobre essa parte da vida do Glauber porque na juventude é que os artistas estão mais soltos, mais inocentes. Eles ainda não apanharam muito do mundo, não estão ressentidos nem rancorosos. Eles ainda estão florescendo, e é nesse momento de florescimento que eles acham que podem fazer tudo... E, às vezes, fazem mesmo.

Eu sempre adorei essas histórias de turma pelas trapalhadas e confusões que acontecem. Então, o cara que for dirigir isso, se for fazer algo muito "cabeça", vai ficar chatérrimo. O livro tem uma história leve, superficial, é uma opção ser divertido. Eu nunca tive a pretensão de fazer uma biografia que esgotasse o assunto, uma biografia definitiva de 900 páginas. Outros que façam isso. Existem mais de 20 biografias do Glauber Rocha, ninguém é obrigado a ler a minha. Quem optar pela minha vai se divertir muito, com certeza.

G1 BA - Como é a sua relação com a Bahia? Como ela se encaixa, em especial, nesse livro?

Nelson Motta - Todo mundo que me acompanha sabe que a Bahia é o meu segundo lar. Desde 1968 que eu venho aqui. De todos os meus livros, e eu já contei isso várias vezes, boa parte deles é escrita aqui. Vou para o Rio Vermelho, fico lá quase um mês, e produzo. Escrevi quase a metade do livro do Tim Maia ali, boa parte do livro do Glauber também, é claro, e o meu livro de contos "Força Estranha". Eu acho que a Bahia favorece a criatividade. Eu não ligo para nada disso que reclamam do tempo baiano, da lentidão, porque para um trabalho de criação isso até favorece. Com toda essa tranquilidade, eu me sinto em casa. Tenho grandes amigos baianos como Caetano, Glauber, conheci Jorge Amado, Zélia [Gattai], Caribé, a turma dos velhos e dos novos baianos também. João Gilberto é um querido amigo que eu conheço há mais de 40 anos...

G1 BA - João Gilberto daria um bom livro, não?

Nelson Motta - Ah, João Gilberto eu conheço, mas eu é que não quero fazer!

G1 BA - A Bienal do Livro da Bahia deste ano é dedicada ao escritor Jorge Amado. O que você tem a dizer sobre ele?

Nelson Motta - Ele é um dos meus ídolos, uma das minhas maiores influências literárias. Com Jorge Amado, eu descobri a literatura adulta. Eu sempre li muito quando era garoto, mas quando eu li Gabriela Cravo e Canela, aos 13 anos, aquilo para mim foi um mundo novo. Aquela sensualidade, aquela Bahia, aqueles ambientes de Ilhéus, as fazendas de cacau, de violência, os jagunços... Eu fiquei louco por aquilo! Me apaixonei perdidamente por Gabriela - e eu perdoaria Gabriela da traição. A partir daí, passei a ler todos os livros de Jorge Amado e sempre o admirei. O que Glauber Rocha também admirava no Jorge era a fluência, a naturalidade, a despretensão da escrita. Ele não tinha uma escrita empolada, barroca, essa coisa pomposa. Ele escrevia maravilhosamente bem, com estilo, mas sempre com um bom ritmo e uma leveza. Ele sempre me influenciou muito, assim como Vargas Llosa e Nelson Rodrigues, talvez a minha maior influência.

É importante saber levar a vida com humor e saber rir de si mesmo, inclusive. As pessoas se levam muito a sério. Eu adoro rir, e eu sou imensamente grato a esses comediantes da televisão que todo mundo despreza e diz que são popularescos. Eu adoro essas pessoas. No Brasil, tem tanta gente que leva uma vida de cão e assim tem, pelo menos, a oportunidade de rir, se divertir um pouco. Se o meu trabalho conseguir alegrar, divertir, emocionar as pessoas, para mim já está ótimo, é tudo o que eu quero.