Cultura

GORDO LIMPINHO E CHEIROSINHO É SACRIFICO, MAS COMPENSA, p OTTO FREITAS

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| 26/09/2011 às 09:00
Vida de gordo não é fácil, mas tem suas compensações
Foto: DIV
 

Depois que passou do sobrepeso à obesidade mórbida, comendo cada vez mais, Jeffinho começou a notar que estava consumindo mais rolos de papel higiênico, dado ao grande volume de merda cúbica diária que andava despachando. Com aquela bunda enorme e um monte de comida digerida saindo pelo ladrão, haja sujeira para limpar. Alfredo precisaria trazer um caminhão de papel e não apenas aquele pacotinho na sua bandeja de prata.  


Jeffinho, então, mudou de hábito: dispensou o papel (que, na verdade, de higiênico não tem nada, pouco importa se a bunda é gorda ou magra), e passou a usar a ducha, apesar das dificuldades, pois na boca do vaso não cabem ao mesmo tempo o bundão, a ducha e a mão gorda que a segura (convém lembrar que o vaso já está sem o assento-tampa, que gordo não pode usar, pois diminui ainda mais o diâmetro da latrina).


Diante de tamanha dificuldade, a limpeza nunca é bem feita. Por garantia, Jeffinho só usa o sanitário antes de tomar banho. É ducha e banho imediatamente em seguida, com muito sabonete. Só assim tem a garantia de cueca limpa, sem rajada, até o fim do dia. Uma beleza!


Mas, para chegar ao chuveiro, o gordo precisa entrar no box do banheiro, geralmente um quadradinho, quase um chip, cuja porta é praticamente uma passagem virtual. O gordo entra assim de banda, se espremendo todo, encolhendo a barriga - e se a porta do box for daquelas de plástico, frouxa e frágil, acaba derrubando a porra toda.


Vencido mais esse obstáculo, o passo seguinte é conseguir ficar em pé, pelo tempo de duração do banho: 10 a 15 minutos para quem é magro, mas o gordo tem muito o quê lavar e não gasta menos de meia hora. É indispensável um banquinho, que é para descansar o corpanzil. Mas é terminantemente proibido usar, sob qualquer alegação, o traiçoeiro e perigoso banquinho de plástico. É preciso escolher um bem forte, que assegurar ao gordo um banho tranquilo e reparador.


Como se vê, além de facilidade de acesso e espaço, banho de gordo requer fôlego e alguma infraestrutura, inclusive de segurança. É obrigatória a instalação de tapetes antiderrapantes e alças de apoio dentro do box, pois na hora do banho propriamente dito o gordo precisa tornar-se praticamente um contorcionista de circo.


Mesmo contando com uma escova de cabo bastante longo, são inacreditáveis as manobras necessárias para alcançar as costas, as pernas e os pés. Como o espaço é apertadinho, os gestos precisam ser contidos. Se o gordo for um cantor de chuveiro, desses que interpretam a canção com alma e movimentos largos, se achando um Pavarotti, é quase certo que vai derrubar o box, feito um hipopótamo epiléptico.


Por isso, o banho é arriscado, exige sacrifícios e deve ser precedido de algum alongamento. Lavar a bunda, por exemplo. Quem é magro, que faz a volta com o braço assim, por trás das costas, não imagina a dificuldade que é, para um gordo, executar esse movimento. Alcançar a banda da bunda, do mesmo lado do braço, já é uma grande conquista. Imagine alcançar o dito cujo para deixá-lo limpinho, tal qual o de bebê. Quase sempre rende distensão muscular nas costas e tendinite na munheca. É uma misera, como diz o grande Reginaldo Holyfield.  


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Jeffinho não dispensa esforços para ficar limpinho e cheirosinho. Depois do banho, vem outra parte importante, que é enxugar aquele corpão de bailarino espanhol, cheio de dobras e vales recônditos loucos para abrigar micoses avassaladoras. Então, tem que enxugar direito, sobretudo as partes baixas, entre os dedos dos pés e, principalmente, o períneo, também conhecido vulgarmente como munheta.


Agora imagine o processo, o esforço para alcançar o pé, um de cada vez. É uma suadeira desgraçada. Mas tem que ser assim, senão é frieira e chulé, na certa, e isso compromete irremediavelmente a dignidade de qualquer gordo que se respeite.

Para arrematar, vão bem um cremezinho ou um talquinho, sobretudo nas virilhas e nas dobras acima e abaixo do barrigão. Desodorante é sem cheiro, para não ofuscar a suavidade da colônia preferida.  


Além dessas peripécias do dia-a-dia, Jeffinho mantém as unhas das mãos sempre limpas e bem aparadas; vai ao pedólogo (não há gordo que consiga cortar as unhas dos próprios pés), aos cuidados eficientes de Deja; e os cabelos, sempre lavados com shampoo dois em um, para dar menos trabalho, são mantidos viçosos, sob cortes criativos assinados por Ernesto.


Jeffinho ensina que é fundamental cuidar bem da higiene pessoal, apesar de todo o sacrifício. Como sempre diz, é duro ser gordo. Mas ser um gordo porcão, seboso, com a barba por fazer e a camisa sempre manchada de comida é degradante, falta de amor próprio, auto-estima nos calcanhares.  



 * Otto Freitas (otto.freitas@terra.com.br) é jornalista, formado pela Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia. Atua na imprensa baiana há mais de 30 anos, em revistas, jornais e TV; comunicação corporativa e jornalismo digital.