Cultura

GORDO É UMA DAS VÍTIMAS PREFERIDAS DO BULLYNG, POR OTTO FREITAS

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| 23/05/2011 às 08:26
Na TV, os "Caras de Pau", o gordo e o magro com Pedrão (magro) e Jorginho (gordo)
Foto: DIV
   

Segundo fontes diversas, bullyng é uma palavra inglesa, que não tem tradução em português, utilizada para descrever atos de violência física ou psicológica, intencionais e repetidos, praticados por um indivíduo (bully ou tiranete, valentão) ou grupo de indivíduos, para intimidar ou agredir outro indivíduo ou grupo de indivíduos que não sabe ou não pode se defender.

Esse comportamento abominável, de sistmática e insistente humilhação, ocorre geralmente na escola mas, de algum modo, também se estende à sociedade em geral. No Brasil, a palavra passou a ser usada recentemente para denominar o assédio ou a agressão social na escola.


Jeffinho tem conhecimento de causa e assegura que o gordo é uma das vítimas preferidas de quem pratica o bullyng. Isso desde a infância e adolescência, na escola, até a idade adulta, na vida pessoal e profissional. Em mais uma reunião da Associação dos Gordos Anônimos, ele testemunha: se o gordo for negro, pobre e com baixa escolaridade, sofre mais ainda.


Para começo de conversa, além de virar ponto de referência, obeso não tem nome próprio. Rebatizado, passa a se chamar Gordo. Quando consegue preservá-lo, o nome original é invariavelmente pronunciado no aumentativo, como Marcão, Ronaldão, Zezão, Rodrigão, Faustão e outros; ou no diminutivo, como Jeffinho, Jorginho, Zezinho, Luizinho, Manezinho, Pedrinho, só prá sacanear.


Tem ainda a situação em que a condição de obeso é praticamente um sobrenome, tipo João Gordo, Beto Baleia, Chico Bujão e Adilson Rolha. Fora daí, é gordinho prá lá, fofinho prá cá - enfim, um monte de preconceito disfarçado de carinho. Isso porque, à vera, mesmo, apelido de gordo envolve desqualificativos sinceros como Bolão, Balofo, Balão, Baleia Assassina, Elefante Branco, Rolha de Poço, Saco de Bufa, Barriga de Bosta e outras variações impublicáveis.


Aliás, gordo leva a pior na vida real e na ficção - na literatura, no cinema e na TV. O doce e ingênuo Sargento Garcia é um símbolo de como a sociedade vê e trata o gordo. É incapaz, idiota, ridicularizado por todos, até mesmo pelo Zorro, que no seriado representa o bem, o herói defensor dos fracos e dos oprimidos. No entanto, até o Zorro se diverte às custas de Garcia, humilhando-o ao usar a espada para marcar a imensa barriga do sargento com o seu Z.


No programa humoristico da TV Globo, Os Caras de Pau, em que os personagens principais são um gordo e um magro, os autores chamam a atenção para a forma de tratamento. Com ironia e sutileza, invertem a situação: o magro é Pedrão (Marcius Melhem), no aumentativo; o gordo é Jorginho (Leandro Hassum), no diminutivo. Mas, para não deixar dúvida, o magro é o esperto, sempre armando para o gordo, eterno abestalhado a levar ferro.


Há exceções, como toda regra. Os atores Oliver Hardy e Stan Laurel foram o símbolo da relação mais tolerante e amorosa entre gordo e magro. De 1926 a 1950, formaram a dupla cômica mais famosa do cinema americano, desde os tempos do filme mudo.

O Gordo e o Magro se completavam. Ao contrário da vida real, Oliver, o gordo, é que maltratava Stan, o magro. Mas Oliver jamais deixava de ajudá-lo e sempre que o parceiro era ameaçado corria em seu auxílio. Apesar das aparências, havia uma amizade constante entre os dois.


Na vida real, Jeffinho diz que é muito fácil perceber como as pessoas olham para o gordo, fingindo indiferença, mas se contorcendo em curiosidade, por debaixo do olho, para não perder nenhum detalhe daquele fenômeno. Você se sente quase uma atração de circo dos horrores, exagera Jeffinho.


No interior, onde gordo é raro (a comida é natural, pega-se no quintal ou se compra na feira, e todo mundo tem que andar muito, mesmo quem tem carro), o povo olha sem maldade nem discrição. Encara o gordo na boa e manifesta sua surpresa diante do inusitado. Vez por outra alguém solta de lá um "coitado!", cheio de compaixão.

Criança é que é sincera. Olha mesmo, na maior naturalidade - e não é raro que, após detalhada observação, venha a exclamação livre da falsa discrição dos adultos:

"Maenhê!, olha o gordão ali!!!". Às vezes, o garoto até vem conversar, aperta a barriga,
como se quisesse ter certeza de que é tudo verdade.


Certo dia Jeffinho entrou no banheiro de um shopping. Enquanto lavava as mãos, um menino puxou-lhe a perna das calças e perguntou, assim, na lata:


- Por que você é assim?


A partir daquele dia, Jeffinho não parou de pensar na pergunta. Todo dia reconstitue sua vida, desde a infância e adolescência, tentando entender porque ficou assim. Talvez um dia ache a resposta para o menino do shopping.




* Otto Freitas é jornalista, formado pela Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia. Atua na imprensa baiana há mais de 30 anos, trabalhando em jornais diários, TV, revista, e na área de comunicação empresarial e digital.  otto.freitas@terra.com.br