Cultura

CARTA DE RODRIGO SÁ ESCLARECE CRIAÇÃO PUBLICITÁRIA, POR MARCO GAVAZZA

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| 04/05/2011 às 08:24
Rodrigo Sá Menezes diz que a criatividade não está à beira do abismo e faz fé na Bahia
Foto: AD

   Na semana passada reproduzi aqui vários trechos de um texto anônimo que me foi enviado, cujo título é "A Morte da Criação".  O desconhecido missivista enumerava as razões que ele acredita terem matado a criatividade da propaganda baiana.  

  O texto agitou o grupo Publicitários no Facebook, provocou comentários interestaduais, gerou opiniões diversas e recebeu uma aprovação quase unânime.  Alguns dias depois recebi do nosso querido publicitário baiano e nacionalmente respeitado Rodrigo Sá Menezes, uma carta na qual ele tece algumas considerações a respeito do texto apócrifo e acrescenta informações importantes para nossa compreensão de todo cenário.
 
   Reproduzo na íntegra, extraindo apenas frases de caráter pessoal.  Leiam com atenção.


A CARTA DE RODRIGO


"Costumo dizer que quem escreve bem, pensa bem. Não é preconceito a favor de quem escreve bem, mas um fato. (...) E também gosto do texto desse missivista anônimo, que debita a decadência da publicidade, incluindo a baiana, a uma conspiração dos donos de agências, à ingerência de um tal "departamento de marketing" na vida e nos rumos do negócio publicitário e "ao mercado" - leia-se- "aos clientes". O missivista escreve e pensa bem, mas coloca seu talento a serviço de premissas totalmente equivocadas.


A "Morte da Criação" na publicidade baiana teria começado no momento em que os clientes, "mesmo um pouco mais tarde do que deveriam, acordaram para essa possibilidade de negociar a remuneração das agências". (...) "Com as margens de lucro consideravelmente reduzidas, as agências partiram para um plano de cortes e economia (...). E qual foi a primeira cabeça a rolar? A da criação, é claro."


O mercado é o senhor da história da publicidade, assim como da história de qualquer outra atividade econômica. E o tamanho da margem de lucro é sempre o resultado de um puxa-e-estica entre compradores (consumidores, clientes) e provedores (fornecedores, agências, etc.) Até aí, nenhuma novidade. No caso da propaganda brasileira, a novidade é que foi a própria criação quem entregou a cabeça aos clientes, numa bandeja em que serviu talento e imprevidência.


Era uma vez um negócio que havia prosperado com estabilidade, graças a uma aliança informal, mas sólida, entre as suas lideranças. O negócio era a publicidade brasileira. Suas lideranças eram os dirigentes das "sete irmãs": ALMAP, DPZ, Norton, MPM, Norton, Salles e Standard, icappi de tutti capi).

Essa aliança fez surgir o CONAR e algum tempo antes, o decreto-lei que regulamentou a profissão de publicitário e a de agenciador, as agências de propaganda e... a comissão de 20%!


No final dos anos 80, brilhantes profissionais de criação resolveram tornar-se empresários de publicidade. Tinham talento, mas ainda não tinham todos os clientes que queriam. E de que precisavam. O que fizeram? Impacientes e agressivos procuraram os clientes que mais lhes interessavam e, em troca da oportunidade de mostrarem o seu talento, propuseram-se a trabalhar em troca de uma remuneração inferior aos 20%. Assim, rapidamente ganharam clientes e visibilidade.


A notícia correu o mercado, rápida como rastilho de pólvora. Logo, todos os clientes, de todas as agências, de todo o Brasil, passaram a questionar os 20%. Queriam pagar menos. Conta-se que uma famosa marca de cerveja chegou a pagar 0% a uma ainda conhecida agência. E só alguns poucos clientes, mal informados, ainda pagavam honorários de 20% a suas agências.


As coisas foram por aí, até que, em 1997, o Ministro Sérgio Amaral (a quem a Propeg atendia) me disse que era um absurdo o Governo ser o único anunciante, em todo o Brasil, a pagar 20%  por ser Governo e, como tal, obrigado a cumprir a lei, quando nenhum outro cliente pagava esse montante de honorários. E finalizou: "Estou preparando e vou levar para o Presidente (Fernando Henrique) assinar um decreto, revogando esses 20%."


Assim fez e assim foi que os 20% sumiram na história e entraram em cena o Código de Auto-Regulamentação e o CENP, de cuja elaboração e instituição participei, com muita honra. O que aconteceu a partir daí foi esse novo tempo que a indústria da propaganda vive atualmente e que trouxe inevitáveis conseqüências para a vida e o comportamento das agências, dos seus proprietários e de quem nelas trabalha. Veja, portanto, o ilustre missivista que as coisas não se passaram como bem lhe pareceram, mas alguns buracos abaixo.


Para terminar, quero dizer que, embora distante e saudoso da Bahia, não vejo sua publicidade tão mal das pernas como estão a dizer. Gente chega de pessimismo. Peito estufado, nariz empinado, bola pra frente e... Bahiaaaaaaaaaaaaaa!


Abraço grande do Capitão Rodrigo.

     

FINALMENTE.


É isso.  A arma foi disparada, mas parece que o autor do texto anônimo -assim como a maioria de nós, creio eu- desconhecia quem puxou o gatilho.  Não é difícil imaginarmos que impressões digitais encontrariam se pudesse ser realizado um exame de balística no caso deste crime mercadológico. 


Mas, usando um chavão popular, não adianta ficar chorando o leite derramado.  É necessário que as entidades que cuidam da propaganda baiana entendam a paisagem com alguns quilômetros de abrangência. É fundamental perceberem que precisamos resgatar talentos e condições favoráveis à retomada da criatividade em todos os níveis e todos os canais da propaganda na Bahia.

Caso contrário, em pouco tempo restarão no mercado -como grandes agências de propaganda- apenas aquelas alinhadas ao poder público do momento e que dele extraem o leite, transferindo-o cuidadosamente para reservatórios pessoais. 


Vale citar o Alex Periscinotto que numa entrevista disse se sentir tenso todas as noites, ao ver o patrimônio ativo da sua empresa descendo pelos elevadores.