Cultura

O HOLOCAUSTO DA CRIATIVIDADE NAS AGÊNCIAS BAIANAS, Por MARCO GAVAZZA

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| 28/04/2011 às 08:58
Criatividade é a marca dos comerciais que chamam a atenção dos clientes
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   Dizem que os desastres aéreos nunca são causados por uma única falha. Duas ou mais coisas precisam dar errado para que o avião volte ao solo -às vezes ao mar- sem realizar o procedimento de aterrissagem.  Lembrei disso em função de uma pequena seqüência de fatos que aconteceram nos últimos dias.


   Na sexta-feira 15.04 criei no Facebook um grupo chamado Publicitários. Nele reuni os amigos de profissão que já estavam na minha página e coloquei a novidade on line. Na 2ª feira, dia 17.04 o grupo já registrava mais de 500 membros e antes de completar uma semana bateu na marca de 1000 pessoas. Ontem chegou aos 1400. Surgiram publicitários conhecidos e desconhecidos de todos os cantos do país. Gente que eu não tinha contato há muitos anos e que também não tinham contato entre eles. Foi uma verdadeira festa, reunindo desde os ainda estudantes até grandes mestres como Rodrigo Sá Menezes. O grupo Publicitários tornou-se uma atração entre os profissionais da propaganda e de áreas interligadas. 


   Passada a euforia dos reencontros, das saudades ainda que virtuais, o tema que mais ocupou espaço no grupo foi a decadência da propaganda baiana e a falta de criatividade.  O assunto tornou-se recorrente e os exemplos foram aparecendo em cascatas. A comparação com o que era criado anos atrás foi inevitável e logo estavam de volta para que todos relembrassem -ou os mais novos conhecessem- as campanhas para a Poupança Econômico (Propeg), os comerciais da Ótica Ernesto (DM9), as campanhas para a Embratur (Pejota) e outros momentos memoráveis da propaganda baiana. 


   Postei a minha teoria sobre as razões desta decadência e muitos concordaram, outros acrescentaram novos fatores e mais alguns chegaram com teorias paralelas. O certo é que foi praticamente unânime a consciência de que hoje somos apenas uma tênue sombra do que fomos.  Os nomes que deram brilho nacional à propaganda baiana agora estão em outros estados, criaram pequenos estúdios ou agências, trabalham como consultores ou mudaram de ramo. 


   Poucos dias depois, recebo por e-mail um texto apócrifo intitulado "A Morte da Criação". Sei que o anonimato é terreno pantanoso para que dele repassemos  alguma coisa. Mas na situação em que estão os profissionais de criação na Bahia, entende-se perfeitamente que seu autor prefira não ser identificado. Como quase tudo que está contido no longo, muito longo texto é a realidade ou grande parte dela, arrisco reproduzir alguns trechos. Vamos lá.


   "Que a criação publicitária morreu, todos já sabem. Alguns talvez não tenham tido a iniciativa de mandar uma coroa de flores ou provavelmente ficaram sem graça de expressar suas condolências. Mas ela morreu e hoje quem chora de verdade é o mercado.  E não foi como dizem os matutos, uma morte morrida. Foi morte matada e muito bem matada. (...) Quem não conhece ao menos uma história bélica envolvendo o atendimento e a criação? Quando falo de falta de preparo intelectual e psicológico, quero apenas retratar a história real do que se passou nesses últimos 20 ou 30 anos da nossa publicidade. Enquanto era necessário para a criação ter uma formação literária, artística, cinematográfica  e política para se ter alguma chance de ingresso numa boa agência de propaganda, para o atendimento bastava ser filho ou parente de alguém importante. (...) Quando as empresas sinalizaram, tentando copiar os modelos americanos de gestão, a necessidade de se montar um departamento de marketing que tivesse não apenas um faro mercadológico, mas acima de tudo parâmetros para se raciocinar mercadologicamente, diríamos que foi o início do caos. Sem formação acadêmica e, é claro, sem bagagem profissional, as pessoas que passaram a preencher essas vagas não conseguiam fazer mais do que meter os pés pelas mãos. (...) Dezenas de faculdades de marketing imediatamente pulularam na cidade, jorrando suas Pirâmides de Maslow, seus Market Shares, suas Direct Selling e as infinitas obviedades de uma literatura próxima da auto-ajuda, nas frágeis cabeças dos bem vestidos jovens do futuro. (...) O marketing, além de enfiar o dedo no trabalho de comunicação, percebeu também que teria espaço na própria empresa se conseguisse diminuir os honorários cobrados pelas agências para execução dos trabalhos. Foi quando vibrou o tendão de Aquiles dos donos de agência. Ou seja, o mercado começou a criar novas regras do ad business. E é exatamente esse o nome do terceiro assassino da criação: o mercado (...) Acontece que os clientes, mesmo que um pouco mais tarde do que deveriam, acordaram para essa possibilidade de negociar a remuneração das agências. Aí, o bicho pegou. (...) Com as margens de lucro consideravelmente reduzidas, as agências partiram para um plano de cortes e economia que jamais tinham experimentado. Afinal, não dava para privar os donos de agência de suas viagens ao exterior, seus carros importados, seus barcos e suas fazendas. Quem se acostumou com o dinheiro fácil é capaz de fazer de tudo para não perder esse costume. E qual foi a primeira cabeça a rolar? A da criação é claro. (...) Foi então que começou a maior decadência já vista num segmento profissional na história da Bahia. Redatores, diretores de arte e diretores de criação tiveram seus salários achatados ao ponto de ser necessária uma fonte alternativa de ganho, o que se transformou na grande onda de free-lancers do mercado. (...) Me faz recordar o boato de que os donos de agência teriam se reunido e combinado que não fariam propostas de trabalho para profissionais de criação de outras agências para não inflacionar o mercado com o conseqüente aumento dos seus salários. (...) O quarto algoz da criação foi a própria criação. (...) Criatividade precisa de base, de informação. Não importa se o sujeito lê revista num tablet  ou se lê o jornal online, ou se descobre as novidades da tecnologia em blogs específicos. Ou até mesmo se lê romances em seu ibook. O importante é consumir informação. Seja ela curta, média ou longa. Não adianta ser superficial em tudo. Mas infelizmente os criativos sofrem hoje do mal dos 140 caracteres. Ou seja, a chance de um criativo ter lido um artigo como este, deste tamanho, é quase nula. Desculpe-me não assinar este artigo. É que os mortos não têm essa habilidade."  


   É isso.  Anônimo, porém lúcido e verdadeiro. Outros fatores contribuíram para a morte da propaganda criativa na Bahia, mas estes citados pelo autor do artigo, infelizmente existiram. A reunião para estabelecer um teto salarial dos criativos, comum a todas as agências -independente do talento profissional- aconteceu.  O resultado está por aí, no ar ou impresso.  Puro amadorismo e mau gosto, com mínimas exceções.


   Se alguém desejar a íntegra do texto anônimo, pode solicitar por e-mail. Visite o Grupo Publicitários no Facebook.  Lá tem muito talento e criatividade