Cultura

EXPO DE MARIO CRAVO JÚNIOR MOSTRA NOVOS ELEMENTOS DE SUA ARTE NA DARZÉ

vide
| 27/04/2011 às 09:04
Paulo Darzé Galeria de Arte, expo com abertura nesta sexta-feira, 29, 20h
Foto: DIV
   Na próxima sexta-feira, 29, às 20 horas, na Paulo Darzé Galeria de Arte, abre a exposição de esculturas de Mario Cravo Júnior.

  Nesta mostra, o artista, que a cada apresentação de suas obras nos traz materiais, técnicas e forma de expressão de uma arte cada vez mais moderna e atual, criada na mais livre poética de sua expressão como forma no espaço, desta vez apresenta problemas e soluções de ordem plástica através de imensos recursos técnicos e de pesquisas e um caráter essencialmente experimental, onde as esculturas revelam e fazem surgir.

  "Uma obra referencial para um homem e uma terra", como escreveu Pietro Maria Bardi. Mario Cravo Júnior é considerado por todos os estudiosos da história da cultura no Brasil como um dos pioneiros da arte moderna na Bahia e um dos grandes artistas brasileiros no século XX.

  ENTREVISTA A CLAUDIUS PORTUGAL

   Uma permanente pesquisa. Uma vitalidade sem par na arte baiana desde que iniciou com desenhos e esculturas em 1938 sua trajetória nas artes plásticas. Esta trajetória o leva durante a caminhada, entre exposições coletivas e individuais e, principalmente, obras urbanas com esculturas de grande porte e murais, a representar o Brasil na XXX Bienal de Veneza, como escultor convidado, e na IV Exposição Internacional da Escultura Contemporânea no Museu Rodin, Paris-França, e ser admirado diariamente por quem vive e transita na Bahia, nas muitas obras públicas de sua autoria espalhadas em ruas, praças e avenidas.


   Mario Cravo Júnior
não para de produzir novos trabalhos. Agora são relevos em ferro, em cobre, e em latão. Este ímpeto, esta não acomodação, a certeza de luta e aprendizado na labuta incessante para criar a sua arte não o deixa quieto, e o que poderia ser o mais recente já está sendo ultrapassado pelo interesse vivo por novos materiais, em foco na sua atenção agora a pedra grafite, e dele a criação de pequenos objetos, relevos, esculturas. É um novo elemento e um novo desafio.

Pergunto: Esta incessante busca de novas possibilidades, de criar e recriar, de fazer e desfazer, é uma não aceitação do seu próprio trabalho pelo desejo incansável de novos horizontes, uma rebeldia inerente a personalidade, ou uma briga permanente contra a acomodação que qualquer um pode ter ao não fincar-se num caminho já trilhado e de sucesso?


   É muito difícil este questionamento de se autorreferir. Todo questionamento sobre o processo de autodefinição, estas tentativas, acaba tratando do que gostaríamos de ser e não do que somos. É uma somatória e talvez eu deva isso a uma característica da minha personalidade. Sou essencialmente curioso. Isso faz parte da minha vida, e está na minha terra, na minha primeira infância, uma curiosidade que eu tenho pela mecânica, pelas instalações, pelas máquinas, os mecanismos, isso sempre foi para mim um momento de diversão e ao mesmo tempo, então como se eu tivesse um laboratório existencial, uma pedra filosofal.


   É uma espécie de uma procura de uma combinação que não existe, quem sabe, uma procura de mim mesmo, eventualmente achado, mas pelo menos procurado, mas é a procura de mim mesmo, o que no fundo é a procura de minha gente, do meu povo, da minha tradição, da minha civilização.


   Todas as vezes que fiz este questionamento de caráter social, sociológico ou antropológico, me vem à mente de que queiramos ou não, modernamente encarados ou não, nós somos ainda aqueles indiozinhos de Anchieta e de Vieira, nós estamos ainda, não sobre a proteção, mas sobre a sombra ou o reflexo de nossa tradição cultural, que implica no ser fundamental, ou como diria Rousseau, no paraíso perdido.

Esse meu laboratório tem também a ver com este suposto mundo novo que é também o mundo velho. Nós falamos sempre neste paradoxo do que é o futuro. Quando se chega na minha idade nós temos a possibilidade de encarar o que é o passado, o presente e um pouquinho do futuro.


   Mas as coisas parecem que só acontecem quando acontecem, ou seja, a vivência e a experiência é uma somatória de um eventual fluxo da mudança para o enriquecimento do ser humano. Talvez seja através do interregno, do contraponto, que possa acontecer algumas das coisas que tentamos algumas dezenas de anos acontecer. Eu vivo nessa expectativa. Este é o meu temperamento. Eu sou um insatisfeito.

Neste eu não aceito, a primeira vítima, vítima entre aspas, da minha rebeldia, sempre sou eu mesmo, porque se ela me compensasse, se ela fosse em si mesmo um objetivo, uma finalidade, mais do que objetivo, entendeu, eu estaria me elevando à categoria de super-humano. Pelo contrário, eu me sinto cada vez mais ligado a este processo de transição, de modificação, essa dinâmica. Talvez por isso sejamos tão ansiosos pela segurança.


   Eu me habituei ao risco de tentar. Não é superar a mim mesmo não, mas de "enriquecer" a minha própria experiência, ou seja, cada vez. Talvez seja como uma criança, ou aquela coisa simbólica da cobra comendo o rabo, e cada vez que eu mais envelheço mais jovem me sinto, e vêm naturalmente uns pensamentos deste momento, que são umas reflexões de um artista quando velho.


   E prossegue:


  Viver é transformar. Viver longos anos de vida é um exercício permanente de transformação e isto para mim significa a dinâmica da própria vida. Isto através de qualquer profissão. Mas como nosso ciclo é muito curto, para uns curtíssimos, mas outros, como no meu caso, que não é tão longo. Ao contrário. Depende de como você encara. Mas o que é realmente estimulante é encontrar receptividade na vida, a curiosidade da vida.


   Esta vitalidade que você vê é uma demonstração da continuidade, da intensidade que liga alguém ao nosso temperamento, a nossa sensibilidade, a nossa maneira de ver o mundo. Daí posso falar aos oitenta e cinco anos, que eu sinto energia, sou energizado por esse laboratório, esse número de materiais e de formas diferenciados, essa tentativa de combinações.


   Talvez a minha curiosidade seja um acompanhamento deste viver anexando sempre a cada dia uma nova combinação a procura do eterno. A coisa começa a se envolver e passa a não existir mais esta separação de gerações. São etapas que se fundem. É uma espécie de pragmatismo separarmos tudo em compartimentos. Acho que isso é um fluxo que recebemos, vindo mais ou menos por afinidades de cada qual, mas no fundo é um grande mar para navegarmos, ou que navegamos. Este mar é uma herança que recebe um do outro, que na realidade não tem começo, nem meio, nem fim, é um fluxo. Assim sigo o jovem velho ou o velho jovem, tanto faz como tanto fez. É minha maneira de ser.


   O passado para um homem que vive a extensão de vida que eu tenho é um mundo extremamente misterioso, indefinido de certa forma. Viver é uma permanente surpresa.

Dentro do Espaço Cravo, Mario anda nos caminhos laterais da lagoa, e após mostrar o que está fazendo, de apresentar um a um os operários que o acompanham , diz:

Eu aprendo com estes homens que estão a trabalhar comigo. Tem peças que eles contribuíram. Ou seja, é a inserção, o diálogo. Eu sinto o cuidado, a satisfação, o carinho com que eles participam do que faço, o que eles apreendem ao contribuir com um pedacinho, e isto vale mais, muito mais.


   Ao ouvir um comentário sobre o local, diz:


    É uma realização de um sonho em vida, este ateliê. Estou aqui há quatorze anos como se fossem quatorze dias e se este Espaço passasse a não existir amanhã eu lhe diria que estou plenamente satisfeito com a experiência e ainda vou mais um pouquinho, se tivesse que repetir, eu não mudaria absolutamente nada. Não sei se isso é excesso de autoconfiança ou que coisa misteriosa é essa, mas é o que sinto. Mas eu estou com ideia de querer transformar isso aqui, o Espaço Cravo, num memorial, é a nova terminologia, e se for possível esta proposta, de com isto trazer uma experiência que tivemos cinquenta e poucos anos atrás com a Lina Bardi, que tentamos, mas infelizmente não houve possibilidade, que é o processo artesanal de um centro de estudos em trabalhos artesanais, que é a possibilidade de fazermos um levantamento dos mestres artesãos e fazê-los produzir junto com jovens designers universitários.

  TRAJETÓRIA

   Mario Cravo Júnior nasceu em Salvador, Bahia, no dia 13 de abril de 1923. Estudou nos Estados Unidos, Universidade de Syracuse, trabalhou em Nova Iorque, viveu e realizou exposições na Alemanha, ganhou prêmio na I Bienal de São Paulo, participou da XXVI Bienal de Veneza, da IV Exposição Internacional de Escultura Contemporânea no Museu Rodin, Paris, da I Bienal Nacional de Artes Plásticas, em Salvador, com sete esculturas criadas na proporção do claustro do Convento do Carmo, formulação até aquele momento inovador em conceito e forma, nas suas peças medindo de três a sete metros de altura.
 
  Desde o início de sua trajetória, realiza mostras e possui trabalhos em locais públicos, experimentando um contato direto da arte com o homem urbano. Suas obras estão espalhadas pelo mundo nos Museus de Arte Moderna de Nova Iorque, Jerusalém, Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, da Pampulha em Minas Gerais, ou ainda nos Museus Hermitage (Rússia), Walker Art Center (Minneapolis, Estados Unidos), entre muitos outros, numa trajetória aonde "a experiência da forma, a vivência criativa e o senso táctil da matéria conferem grande importância e dignidade a uma obra escultórica polimorfa e pujante", disse Wilson Rocha, "tornando-o figura singular de excepcionalidade em nosso meio e uma das mais seguras expressões da arte brasileira".