Cultura

BOLÍVIA DE MUITAS CORES E DAS MULHERES GUERREIRAS, p LÍGIA AGUIAR

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| 12/04/2011 às 08:00
Azul do Lago Titicaca impressiona e inspira artistas
Foto: Lígia Aguiar
    Retornei da viagem à La Paz, capital da Bolívia, com uma aura de boas vibrações e um sentimento de renovação.


  La Paz é a cidade mais alta do mundo está a 3.640m acima do nível do mar. Mas quando você aterrissa no aeroporto de El Alto, a altitude vai lá para cima, fica a 4.100m, por isso pode-se sentir uma pressão muito forte na cabeça e tonturas, o melhor a fazer é descansar, tomar chá de coca (tipo exportação) e esperar passar os sintomas. Graças a Deus não tive maiores problemas, mas as minhas amigas não seguiram os conselhos e precisaram ser medicadas.


  Por estar situada no alto, o clima é sempre frio, a média fica entre 6ºC a 8ºC, e à noite a temperatura cai bastante, chegando a -4ºC.


  A princípio me encantei com o colorido das pessoas nas velhas e desordenadas ruas, onde é acentuado o contraste social.


  A zona Sur da cidade, local mais baixo de La Paz e de clima ameno, onde se concentra os novos e modernos bairros, como Cala-Coto, é ocupada pela camada mais alta da sociedade. Enquanto isso, os menos abastados vivem no alto, nas encostas rochosas que circunda toda La Paz, onde apresentam casas assemelhadas em tijolos aparentes, gerando uma sintonia de forma e cor. Enfim, um belo cenário, que com o sol a pino, nos parece cinzelado em ouro.


  Fiquei impressionada com a força empreendedora das mulheres. Em cada canto da cidade há uma barraquinha, uma banca, com todo tipo de produtos: frutas, legumes, queijos, empanadas, comidas tipo o nosso PF, pães - deliciosos, mas vendidos à céu aberto, preferimos provar os conservados em vitrines - por trás da "grande feira" estão as corajosas Cholas, descendentes dos Aimarás (povo estabelecido no Perú, Bolívia, Argentina e Chile desde a época pré-colombiana) logo notadas por sua tradicional vestimenta: saias fartamente rodadas até os pés, xales de várias cores, chapéus tipo côco que deixam transparecer as grossas e longas tranças.Não gostam de ser fotografadas.


  Um detalhe interessante é que em sua maioria, elas trabalham com os filhos carregados nas costas envolvidos em panos coloridos. Encontrei uma Chollita  levando três crianças ao mesmo tempo. Pelo visto são elas que movimentam a economia da cidade. São fortes e guerreiras.


  La Paz cultiva um rico artesanato, e mais uma vez as onipresentes Cholitas parecem tomar conta do mercado. O melhor lugar para se conhecer o comércio, costumes e tradições fica no centro da cidade, principalmente na CalleSagárnaga, uma rua enladeirada cheia de lojinhas, onde se pode comprar toda a espécie de roupas e souvenirs, desde casacos, luvas, echarpes, passando pelos tapetes, pinturas Cuzquenhas, até tapetes e objetos de decoração.Todos de boa qualidade.


  Não se pode deixar de conhecer a Calle de las Brujas, você encontra além do artesanato, uma variedade de produtos para feitiçarias, como bichos secos e dissecados...


  Mais abaixo, está a famosa igreja de São Francisco,em estilo barroco, construída no século XVIII, tem um belo portal, além de possuir uma pinacoteca com obras de vários movimentos da história da arte.


  A cidade é cheia de surpresas e contradições. Apesar de ser um país em que salta aos olhos a desigualdade social, as ruas de La Paz são limpas e transmitem segurança. Em cada esquina vemos três ou mais policiais, e em momento algum encontramos mendigos ou moradores de rua. Isso tudo foi motivo para comparações...


  Para compensar, o trânsito é caótico. É um show à parte. Não há ordenamento de trânsito, nem transporte público. A população é servida por centenas de Vans, os chamados mini autobus. Já os táxis, do lado de fora ainda, você tem que negociar o preço da corrida, pois não existe taxímetro. Normalmente, são baratíssimas. Aliás, as coisas lá são acessíveis, um dólar vale quase sete bolivianos. Um bom exemplo é o preço de uma diária em hotel de cinco estrelas: 100 dólares em apartamento duplo.


  Além da capital conhecemos Copacabana, cidade que fica a três horas de La Paz, fundada pelos Incas. Vá preparado, lá a altitude vai para o céu... Atinge quase 4000 m sobre o nível do mar.


  Desde a subida pelo serpenteado caminho, nossas retinas se alegram e o nosso corpo é inteiramente arrebatado pelas belas paisagens compostas por vastos campos de intensos verdes, com direito a pastoreio de llamas e cordeiros. As azúleas águas do Lago Titicaca, - considerado o lago navegável mais alto do mundo - cercada pela cordilheira dos Andes e seus picos cobertos de neve, é um capítulo a parte. Não vacile, pare de vez em quando e dê trabalho à sua máquina fotográfica, o resultado vai deixar você satisfeito.


  Tentei comparar o azul do Lago com os encontrados nas tintas empregadas para trabalhos artísticos, mas nada o iguala. É um azul não tão profundo como o da Prússia, nem tão claro como o cerúleo, tão menos o ultramar, nem o cobalto e menos a luminosidade do turquesa. Só me resta misturar essas tintas para tentar conseguir o tom maravilhoso das águas calmas.


  O local tem característica de um balneário ainda que em formação, à margem do Lago Titicaca, e a famosa Catedral de Nossa Senhora de Copacabana, ponto de convergência de peregrinações, levadas pelo manancial de bons fluídos que reina no local. Entre os esotéricos Copacabana é considerada como um dos mais importantes centros energéticos da América do Sul.


  Conhecemos e protagonizamos os rituais da Challa: tradição ancestral de saudar a Pachamama (mãe terra), deusa da fertilidade e fecundidade, na terça-feira de carnaval, data em que toda população ornamenta as casas com bolas e serpentinas, em cada canto benzem a terra com vinho e álcool e por últimos tocam fogos de artifícios. As pessoas e os carros também são Challados. É um ritual de fé e de alegria.


  No quesito culinária, as Papas (batatas) é a base da alimentação dos Bolivianos. Há batatas de todos os tipos e cores: papas negras (tuntas), blancas (tunio), vermelhas, lisas, e outras que não listei; o milho (maiz) também não falta à mesa, seja ele branco, amarelo ou como a nossa pamonha (humitas). Outros ingredientes comuns são as pimentas AJI, as empanadas de quesos, e os queijos artesanais; há uma grande variedade de pães, O marraqueta foi o meu preferido, massa pesada e crocante; carnes de porco (chancho), frango (pollo), destaco o delicioso prato Sajta de Pollo (galinha com bastante molho picante).


  As surpreendentes salteñas nada têm a ver com as que conhecemos aqui. Muito, muito saborosas: a massa de textura fina, com bastante recheio regado a um caldo picante, come-se com cuidado, de colher, para não acontecer um desastre como foi comigo, explodiu e fiquei toda lambuzada!  Ah, sim! Em toda La Paz você só come o petisco até as 11h, é como se fosse uma entrada antes do almoço.


  Deixei para o final o tema que me proponho a escrever neste site.


  Momo reinava nos dias da nossa estadia na cidade, a maioria dos museus e galerias estava com las puertas cerradas. Fizemos uma visita rápida ao Museo de Arte Contemporáneo, instalado em um belo casarão de três andares, construído no século 19, onde estão expostas obras da época do modernismo e outras de conotação política, dos anos 60 e 70, como uma sala dedicada ao guerrilheiro Che Guevara.


  Destaque para as esculturas, principalmente as de bronze, salvo engano, são do início do século XX, e outras contemporâneas, de gesso, exibidas em uma instalação. No mais, muitas pinturas, desenhos, aquarelas e objetos, alguns de excelente qualidade.

Fica para a próxima vez visitar os outros museus, como o Museo Nacional de Arte, Costrumbista Juan de Vargas, o de Metales Preciosos, o da Coca e o de Instrumentos Musicales, entre outros.


  A street art ainda é tímida nos muros da cidade, alguns dialogam com a arte global, outros buscam inspiração em suas raízes e nos grandes muralistas mexicanos: Rivera, Orozco e Siqueiros.


  Bolívia ainda não é um país ideal tem muito que fazer, principalmente na questão da educação. Com 10 milhões de habitantes, um índice de Desenvolvimento Humano (IDH) médio, e uma pobreza que atinge cerca de 60% da população.

Em tempos de globalização, o país parece viver décadas de atraso. São muitos os desafios a enfrentar para garantir um efetivo desenvolvimento. Mesmo assim, La Paz é encantadora.