Cultura

'CARTAS ANÔNIMAS" É PRA SE LER TOMANDO VINHO NO MOREIRA,p TASSO FRANCO

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| 07/04/2011 às 11:25
"Cartas Anônimas", o vinho e o autor no lançamento da Saraiva
Foto: BJÁ

  O novo livro de Fernando Vita (Cartas Anônimas) é uma delícia, literalmente. Digo isso porque letras também se comem, se degustam acompanhadas ao vinho de Itália ou de Mendoza.

  E, ainda que, "Bernardino esteja sentado na tampa do meu fogão", sem vinho e sem ir à boa mesa, por dieta e descanso ao "figo", saboreei a narrativa do conselheiro com enorme prazer, algumas citações do meu conhecimento antigo diante de tertúlias etílico-literárias com o escriba, como a do fanho Tuim.


  Quem seria eu para dizer que "Todavia", a cidade ficção criada pelo autor, por mera coincidência é a gloriosa Santo Antonio de Jesus, a terra natal do conselheiro, donde guarda em memória, ainda que longe esteja dela há anos, as histórias da viúva boazuda Boneca, do juiz Efraim, do monsenhor Galvani, do sedutor Manoel Delphino, de Dodô das Biclietas, de Tiofo Amando, da dona do lupanar Elda, do velho Zuca, Guiomar Franca, José Chebeu, Osvaldo sapateiro e tantos outros personagens do realismo fantástico do Recôncavo baiano!
 
  Vita é um grande contador de causos, todos nós sabemos. Agora, no papel, na descrição de sua pena, ficam ainda mais saborosos e eternizados na literatura.


  A narrativa da disputa musical entre João Lomes e Vardinho Rolete no grande salão do Tênis Clube pelas prendas apetitosas da viúva Boneca é sensacional.

  O Regional "Pepeu e Seus Pupilos" é a cara da Bahia, na ficção, e na realidade em Feira, Serrinha, Salvador, Itabuna, Caetité, Amargosa, onde se dançou e se enamorou nos clubes sociais.

   Zeca Mefessi no pandeiro, nas maracas e no bongô lembrou-me de "Galo Cego" da Orquestra Tabaris;  Paulo de Sóter, o Paleta, nos dois saxes, lembranças de Azevedo bigodinho, do Regional de Zé Martins, de Serrinha; e Edy Cosquento no trompete, Celso da Leste da Serra.


  A morte do gato "Bangu" por obra e graça do senhor vigário e monsenhor é outra passagem do livro admirável.

  Como o conselheiro trata a palavra numa linguagem bem popular e compreensível ao leitor, o regionalismo que faz da aldeia a universalidade, tudo é posto no livro com maestria, como se Vita estivesse narrando esses fatos na mesa do Moreira ou no repouso de Guarajuba, dando forma, dando vida aos seus entes, tornando-os personagens que vivenciamos com alguma freqüência em nosso cotidiano.


  León Tolstói, aquele genial escritor russo, autor de Ana Kareninna, dizia que, o camarada para ser universal ou pelo menos para usar a literatura como forma de difusão do conhecimento universal, primeiro, tinha que conhecer sua aldeia.

  Sem isso, sem dominar o que se passa em sua terra, porque a forma de Deus é semelhante em vários sítios, os personagens são bastante parecidos, o "Tuim" fanho de Santo Antonio de Jesus é o mesmo "Tuim" de Leningrado; a viúva sedutora de "Todavia" é a mesma em semelhança e artes a viúva de crônicas de Busto Domecq de Jorge Luis Borges; daí que, "Cartas Anônimas" tem esse traço mestre, traço central, de levar o regional como síntese universal.


  Falta-me estofo, como diria o juiz Efraim, para em mais linhas recomendar "Cartas Anônimas". Mas, pelo dito "arriba" quem ainda não adquiriu o livro corra à livraria se R$29,00 tiver no bolso, pois, em nada fará às suas economias. É um  ganho.
 
  Morto está o "Sedutor" e nós, vivos, a ler esse delicioso livro.