Cultura

ABAP DEVIA IDENTIFICAR HÁBITOS DE CONSUMO EM SALVADOR, P MARCO GAVAZZA

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| 23/03/2011 às 08:01
Você é um cidadão de que classe? A publicidade e as mudanças no consumo
Foto: Edson Lopes

Já vai longe o tempo em que alguém que possuía um automóvel era um milionário.  Telefone também era privilégio de poucos e eu tive o prazer de conhecer um deles de perto porque minha avó era parteira, quando esta profissão possuía o mesmo status que a medicina. D. Leonor Gavazza tinha direito a placa de bronze na porta de casa e telefone. 


Menos longe está o status de classe privilegiada que dava a alguém, o fato dela viajar de avião. A ida ao aeroporto para levar ou buscar o viajante era motivo de orgulho também para os que estavam em terra, pois bem ou mal, eles eram íntimos do cidadão aéreo. Como meu pai trabalhava na Cruzeiro do Sul, depois comprada pela Varig que também desapareceu, desde os 18 anos eu podia voar pra lá e pra cá pagando apenas 10% do valor da passagem. Não foram poucas as vezes que saí do trabalho numa 6ª feira direto para o aeroporto e daí para um fim de semana no Rio de Janeiro, com um chopp já às 9 da noite em Ipanema.


Mas, está ainda menos longe o fato de que possuir um televisor a cores era coisa da classe A, claro. Assisti a Copa de 70 -o fantástico tricampeonato mundial brasileiro- numa delas, suntuosamente instalada na casa do pai de um amigo meu. Ele (o pai) era fiscal da Fazenda, no tempo em que o Leão ainda não havia nascido. Fácil de entender.  Menos de 20 anos depois, o que não é nada na linha do tempo, nem existiam mais televisores que não fossem a cores.


Como já deu pra perceber, de vez em quando eu acabava pegando carona nas mordomias dos abastados e assim fui um dos primeiros cidadãos baiano a ter um celular, pois trabalhando numa campanha eleitoral para um candidato a governador, eu e mais alguns membros da equipe, recebemos dele um gigantesco Motorola com antena retrátil para auxiliar na comunicação. 


O bairro onde alguém morava também era um indicativo para se saber quem era classe A, B ou C, pois até então só existiam estas.  O Corredor da Vitória e  a Graça eram os bairros das mansões pertencentes aos afortunados comerciantes e empresários que possuíam seus escritórios no Comércio.  Hoje eu moro na Graça, minha empresa tem apenas um funcionário (eu mesmo) e o escritório também é no Comércio, mas num endereço virtual.  É a vida e suas esquinas.


Com o crescimento industrial, a abertura dos portos realizada por Collor, a estabilidade econômica e outros fatores, a posse de determinados bens materiais deixou de ser referência para a classificação social.  Hoje é possível você encontrar uma Hylux na garagem de uma casa em Cajazeiras 18, ou seja lá que número for.  Em qualquer favela da cidade jamais deixará de existir uma antena de TV comum ou parabólica espetada na laje. Todos os moradores desta cidade do Salvador possuem pelo menos um telefone celular.  O percentual é de 1,3 por habitantes. Viajar de avião tornou-se tão corriqueiro quanto pegar um ônibus. Ou até mais fácil, quem sabe.


Se a posse de bens duráveis e o acesso a serviços não significam mais nada, o que então determina hoje nas estatísticas se você é um nobre cidadão classe A, um emergente de classe C ou um massacrado da classe B?  É complicado. Até porque outras classes foram incorporadas à pirâmide social e temos fronteiras muito sutis entre AB e B, por exemplo. Ou B- e C+.  Sem contar que pelo volume alcançado, passaram a ser considerados como uma nova classe -a classe D- os antigos gatos pingados que ninguém sabia como conseguiam sobreviver.


Renda familiar também não serve mais como referência.  Antes ela era em sua quase totalidade representada pelo que ganhava o chefe da família e determinava o poder de compra do grupo. Hoje não existe mais chefe algum de família -todo mundo manda- e a renda familiar é a soma dos trocados que cada um dos membros deste grupo consegue ganhar.


Sem falar que antes a renda familiar representava os recursos financeiros disponíveis para a manutenção do conforto e do bem estar da célula-família, sem a participação dos parentes que hoje fazem parte das despesas: IPTU, IPVA, Taxa de Licenciamento, Taxa de Iluminação Pública, Imposto de Renda na Fonte, pensão alimentícia, juros bancários, plano de saúde, segurança particular da rua, diaristas, dinheiro para o estacionamento ou o guardador "sindicalizado" e a cervejinha do menino para enfrentar uma fila do cartório.


Complicou tudo e hoje o porteiro de um hotel pode abrir a porta de um Honda Civic para alguém vestido em mocassin Gucci, bermuda Armani e camisa Claibone, mas endividado até a raiz dos cabelos. Da mesma forma que pode ver passar andando calmamente a seu lado o executivo de uma multinacional enfiado num par de havaianas, uma bermuda jeans e uma camisa pólo anônima.  Ele pode ainda abrir gentilmente a porta do tal hotel para uma respeitável senhora que usa apenas um shortinho e um top ou para uma "acompanhante" discretíssima em suas calças largas e camisa de seda em mangas longas. 


No Rio de Janeiro surgiu recentemente a denúncia de pessoas usando "laranjas" para comprar baratinho três apartamentos num empreendimento do Minha Casa Minha Vida e transformar num luxuoso triplex.  Com uma Pajero estacionada na vaga. Tá difícil.


Não quero pensar em toda esta transformação do ponto de vista da sociologia embora eu seja fascinado por ela. Mas para a comunicação, que é a minha praia oficial, esta desarrumação e desatualização dos indicadores de classes sociais transformou-se numa dor de cabeça. É cada vez mais complicado saber onde encontrar o consumidor de um vinho que custa 900 reais a garrafa ou o potencial comprador de um note book que custa a mesma coisa.


Planejar uma campanha publicitária e criá-la sabendo exatamente com quem se irá falar, é uma tarefa cada vez mais árdua.  


Acho de a ABAP, além de promover happenings resortianos como o atual Nordeste A Bola da Vez, onde se pretende convencer anunciantes nacionais a contratarem agências baianas para falarem por estas bandas, poderia também, em parceria com universidades, institutos de pesquisas, veículos de comunicação etc. realizar um levantamento socioeconômico e de hábitos de consumo em Salvador.  Aí quem sabe a gente consiga realmente identificar qual é o número da bola da vez.