Uma jovem universitária me pede ajuda num trabalho para sua faculdade. Concordo e ela então saca da mochila Asics duas questões que deverão ser respondidas por mim e servir de base para o trabalho do seu grupo. As perguntas são "Qual a influência do consumismo para o trabalho de um publicitário?" e "O consumismo, em sua opinião, é um fator positivo para o crescimento do país e quem sabe do mundo?"
De cara me espanta que a moderna entidade acadêmica não tenha estabelecido a grande diferença existente entre consumo e consumismo. As perguntas estão formuladas diretamente em função do consumismo que na verdade é um fenômeno sazonal ou uma patologia individual. Aí se prefere ignorar desta diferença ou se revela uma intolerância mal disfarçada com a atividade de consumo, o que não é surpresa, vindo de certas universidades onde muitas vezes se preparam jovens para reconstruir muros. Respondo evidenciando que a diferença existe e é significativa.
O consumo, a livre produção de bens e serviços e a sua conseqüente oferta através das leis e oscilações do mercado, é base do sistema capitalista que existe na maioria das nações. O consumo -ato de consumir aquilo que é necessário- influencia a atividade não apenas do publicitário, mas de todos os cidadãos que vivem em regimes capitalistas. Cada produtor é um consumidor e vice-versa. Eu produzo e vendo campanhas publicitárias, o pecuarista produz e vende gado e seus derivados, o dono do restaurante produz e vende refeições. Compra propaganda, leite e filé ao molho de mostarda quem quer, precisa ou pode. Existe ainda o intermediário que compra a produção de alguém não para uso próprio, mas para a venda, fechando o ciclo produção-consumo com a atividade do comércio varejista. A escola vende ensino e o aluno o compra. É consumo.
Desta forma, ele está presente na vida de todos, seja produzindo, vendendo ou comprando bens e serviços, desde o feijão e o arroz até a decoração de interiores ou a viagem à Disney. Neste cenário o publicitário atua como um indutor da escolha do consumidor em direção a determinada marca.
Quando alguém decide comprar um carro, o primeiro passo é definir quanto pode gastar. Em seguida, vem o processo de escolha da marca, modelo etc. Por trás desta escolha já existe o trabalho anterior do publicitário através da propaganda, que ao longo do tempo faz a fixação de marca no subconsciente do cidadão, convencendo-o de que ela é melhor, por vários fatores. A escolha às vezes começa pela marca.
O publicitário é agente indutor da "escolha" do consumidor e não um indutor pura e simplesmente do consumo desenfreado, descontrolado, irresponsável. Se a maioria dos consumidores masculinos não usa de produtos de maquiagem, só os comprarão para presentear alguém, não importa o quanto a propaganda e o publicitário insistam no uso pessoal. Ainda assim, quando ele for fizer esta compra não usual, já terá em sua mente as referências de qualidade que foram passadas pela propaganda. Esta é a relação do publicitário com o consumo. Ele é que produz argumentos (seja qualidade, durabilidade, modernidade, sofisticação, preço baixo ou qualquer outro) para que o consumidor possa realizar sua escolha depois de decidir comprar determinado produto ou serviço. O publicitário não lida com o "consumismo". Psicólogos sim.
O chamado "consumismo" foi assim batizado por órfãos e grupos residuais existentes de forma dispersa, de admiradores do comunismo, sistema em que apenas o Estado produzia e determinava o que e quanto cada cidadão podia consumir. Com o fim deste sistema em praticamente todo o mundo, seus inconformados seguidores entenderam que atribuir ao consumo os atributos doentios do consumismo seria uma forma de desqualificar o sistema capitalista.
Consumismo é o consumo desnecessário ou excessivo. Ele pode ter como origem um modismo que temporariamente contamina um grupo social ou -mais grave- um desvio psicológico individual de conduta humana. É a mania de comprar coisas desnecessárias à sua vida ou extremamente supérfluas. Desta forma o "consumismo" é uma questão passageira ou médica e não de mercado.
A Bahia -Salvador, melhor dizendo- é um paraíso para o consumismo por modismo. São bares, restaurantes, lojas, moda, lazer etc. que fazem imenso sucesso durante algum tempo, atraindo multidões de consumidores e logo em seguida, saem de cena e desaparecem. Vemos isto acontecer com freqüência em nossa cidade e este fenômeno pode ser chamado de "consumismo". A pessoa vai para conhecer, para não ficar fora da conversa em grupos em que todos conhecem aquele modismo.
Fora deste contexto, o consumismo é um problema médico que afeta determinadas pessoas, assim como o alcoolismo, o jogo, as drogas. É uma questão individual e que deve ser tratada em consultórios por terapeutas e psicólogos. Nenhuma pessoa em pleno domínio de sua capacidade mental sai pelas ruas comprando o que não precisa, deixando de adquirir produtos e serviços básicos ou essenciais para obter o supérfluo e endividando-se para encher armários e gavetas de bugigangas. Quem assim age está precisando de ajuda médica.
Já a produção de bens e serviços com o conseqüente consumo, é o que move a nossa sociedade, é a forma que a civilização encontrou para que todos possam sobreviver. Trabalhar, produzir, receber uma remuneração por isso e consumir produtos do cotidiano ou de suas preferências culturais, artísticas, turísticas etc. fazendo com que outras pessoas sejam remuneradas por isso e mantenham o sistema funcionando.
Quanto mais honestamente administrada uma nação, maior o poder aquisitivo de seu povo e sua capacidade de consumo, exigindo assim que a produção também se intensifique e qualifique, gerando benefícios para todos. Quanto mais rica uma nação maior o volume de consumo de seus cidadãos, proporcionando a eles próprios e a suas famílias, conforto, saúde, segurança, bem estar, educação, cultura e lazer de qualidade. Ao mesmo tempo em que contribuem para o próprio Estado através de impostos e para a continuidade da produção de bens.
É grave uma universidade ignorar a injusta distribuição de renda existente no Brasil e classificar de "consumismo" o desejo do jovem de classe menos favorecida de possuir um tênis Adidas. Ao invés de identificar o erro na gestão social, tentam encontrá-lo na propaganda e no legítimo direito de qualquer pessoa de adquirir aquilo que ele considera necessário. Se o sistema de ensino público funcionasse perfeitamente -como é dever do Estado e direito do cidadão- milhares de famílias não pagariam caríssimas mensalidades para proporcionar a seus filhos educação de qualidade.
É "consumismo" a existência da universidade particular em que estuda a jovem perguntadora e o fato dela poder estudar lá enquanto outros freqüentam o TOPA, excluídos dessa capacidade e poder de compra? É consumo. Se excludente, não é por culpa da propaganda.