Cultura

QUE PERSONAGEM VOCÊ É? LIÇÕES DA PROPAGANDA, POR MARCO GAVAZZA

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| 01/02/2011 às 23:25
Uma imagem às vezes vale mais que mil palavras
Foto: JBLOG

Segundo Jung todos nós nascemos originais e morremos cópias.  O que ao longo de nossas vidas, nos transforma em xerox de alguém ou de alguma coisa?  Matrizes familiares, culturais, ideológicas, estruturais, religiosas, sociais e muitas outras contribuem para nos tornar, se não uma única cópia, um aglomerado de diversas cópias, algumas se sobrepondo a outras, mas enfim, cópias.  Cada um de nós é um pouco do pai, da mãe, de um professor, de um colega de escola, de um companheiro de trabalho.


Alguns vão mais longe e são também um pouco de seus ídolos, desde Michael Jackson até  Irmã Dulce, passando por Pelé, Lampião, Ivete Sangalo, Jesus Cristo, Paulo Maluf, Lady Gaga e uma infinidade de outros nomes que a história e a mídia tornaram íntimos da gente. É uma questão de sinergia, mas está ali, num gesto, num olhar, numa atitude. Mario Cravo, um dos poucos pilares que restam da cultura baiana, diz que somos apenas uma soma de experiências de vida. Nossa ou dos outros, poderíamos acrescentar.


Este tipo de raciocínio, ampliado, me lembra outro mais antigo vindo da Grécia quando se afirmava não existir nada de novo sob o Sol.  Na maior parte de tudo que ainda existe sob o astro, parece que os gregos continuam tendo razão. Por exemplo: sempre convivemos com a existência de carros novos (ou zero km) e carros usados. Mas os "usados" desapareceram. Eles hoje são seminovos.  Porém continuam sendo os antigos usados, na essência. Como dizemos popularmente, mudaram as moscas apenas.


Somente a tecnologia ousa contestar os gregos ao apresentar novidades surpreendentes a cada dia.  O cara que fez a primeira roda a partir de um pedaço de pedra usou a novidade como mesa. A roda, como equipamento para transporte foi portanto uma adaptação e não o resultado da busca específica de uma solução para tirar peso dos ombros ou do lombo dos animais.  Hoje, os sistemas de transporte seguem usando rodas como parte de suas estruturas, porém no tempo entre a carroça e o trem bala não podemos dizer que não houve nada de novo. 


Se a tecnologia desmente os gregos e Jung parece permanecer inatacável, a propaganda e a comunicação de massa ficam com um pé na terra e o outro na água.  Também nelas não há nada de novo sob o Sol, mas ainda nelas, surgem novidades a cada dia. É um paradoxo mas faz tanto tempo que aprendemos a viver com paradoxos que terminamos por descobrir que eles deixaram de ser um impedimento a qualquer coisa e fazem parte do cotidiano.


Assim a propaganda está aí sem qualquer novidade desde que David Ogilvy a formatou como técnica de comunicação de massa.  Os mesmos cartazes nos ônibus e nas placas de outdoor, os mesmos spots e jingles no rádio, os mesmo anúncios em revistas e jornais, os mesmos comerciais na televisão. 


Ao mesmo tempo criamos um ambiente chamado internet onde acontecem coisas das mais imprevisíveis. O Twitter por exemplo é algo de novo sob o Sol.  A comunicação instantânea com milhares ou milhões de pessoas em todos os cantos do mundo, seja para anunciar uma catástrofe, para dizer que seu time ganhou ou que você não gostou de Biutiful, é uma forma de comunicação que nunca existiu.


Embora tenha uma presença tímida na internet, a propaganda de uma forma ou de outra, está lá.


O que entretanto considero mais curioso é o fato de ao mesmo tempo em que a propaganda e a comunicação confirmam os gregos, repetindo fórmulas ad nauseam, elas fazem também, através do avanço da tecnologia da informação, uma imensa contribuição  para a galeria de matrizes que influem na formação das cópias que -segundo Jung- somos cada um de nós.


Quantas Gisele Bundchen existem no seu trabalho? Algumas; tenho certeza. E Dani Bananinha? Diversas.  Lulas passaram a existir aos montes nos últimos tempos. São personalidades resultantes da globalização e da informação instantânea, massificada e multiplicada. Personalidades com maior ou menor durabilidade nos palcos da vida ou da história, porém que influenciam pessoas e comportamentos.  


Mesmo quando caímos no terreno da ficção, seja através do cinema, da televisão ou qualquer outro meio, matrizes continuam surgindo. Quanto empresários possuem em seu comportamento um pouco de Dom Corleone ou Gordon "Wall Street" Gekko?  Quantos jovens em todo o mundo foram influenciados por Jim Stark, personagem de James Dean em Juventude Transviada? Quantos homens maduros passaram a ser um pouco Ricky (personagem de Humphrey Bogart) depois de assistirem Casablanca? 


Eu conheço diversos Tios Patinhas, inúmeros Sherloch Holmes, várias Harmiones e até alguns Jack Bauers e Irmãos Metralha.  Isto sem falar nos milhares de Odoricos Paraguaçus que todos nós conhecemos. Até o figurino das personagens das novelas brasileiras são copiados imediatamente e viram modismos fazendo com que cada usuário/usuária se sinta um pouco do personagem.


Alguns se miram em espelhos que refletem o próprio ambiente no qual eles atuam e assim a propaganda baiana possui vários Nizans, Dudas, Olivettos, Marcelos Serpas e outros laureados. Podemos ir mais além, pois a própria propaganda ao criar personagens, termina por influenciar comportamentos. Tenho certeza de que na sua empresa existe algum Frango Sadia ou uma Hello Kit. Talvez até você seja amigo de um Bond Boca, conheça um detetive Bardahl ou tenha como chefe um Garoto Bombril. 


Como por sua vez a propaganda vai buscar na realidade a matriz de seus personagens, a confusão está formada. Somos cópias de infinitas matrizes incluindo nós mesmos. Entenderam? Acho que eu também fiquei com algumas dúvidas. Mas uma coisa é certa: reais ou imaginários, personalidades ou personagens, ficção ou vida real, alguma característica extraordinária está contida nesta matriz que Jung afirma influir naquilo que cada um de nós somos ou pensamos ser.


Para isto, é preciso que o ente histórico ou o personagem seja o melhor naquilo que faz. Somente assim se entra para a posteridade, somente assim se influencia comportamentos e gerações.  Não é porque o mundo hoje é globalizado, turbinado, instantâneo ou informatizado. Sempre foi assim, hoje é mais. Ninguém passaria à história universal sendo conhecido como Alexandre, o Médio.  Tinha que ser Alexandre, o Grande. 


Assim também o é na comunicação e na propaganda. Se quisermos que algo influa no poder decisão e de compra das pessoas, é preciso que criemos o melhor e nunca o mais ou menos.  Talvez por isso estamos vivendo um tempo de mediocridades. Faltam-nos referências. Faltam-nos matrizes poderosas para transformarem pessoas comuns em personalidades relevantes.  O que confirma Jung.