Cultura

PALESTRAS: VOCÊ AINDA VAI GOSTAR DE UMA. COMENTA MARCO GAVAZZA

veja
| 26/01/2011 às 10:10
Certamente alguém estará disposto a pagar R$200 mil para ouvir Lula
Foto: DIV
   Depois de passarmos oito longos anos ouvindo o então presidente Luis Inácio Lula da Silva falando diariamente, o dia inteiro, em todos os lugares e sobre todos os assuntos possíveis, chega-nos agora a notícia de que ele decidiu a partir da ex-presidência, se dedicar a realizar palestras, ao custo de 200 mil reais cada apresentação.


  Não tenho dúvida de que sempre haverá alguém disposto a contratá-lo a este custo para palestrar sobre alguma coisa. O poder possui esta característica de manter sempre em sua órbita grupos de pessoas interessadas em fazer parte dele, imediatamente ou num futuro próximo, quem sabe.

  Como disse o notável Professor Albergaria num dos seus comentários, se o capeta for nomeado diretor ou presidente de alguma empresa, sempre haverá alguém para cercá-lo de gentilezas e cortesias, ouvindo atentamente e aplaudindo tudo o que ele tenha a dizer.


  Mas quem ainda agüenta ouvir Lula falar e -pior ainda- se dispõe a pagar para isso?  


  Fidel Castro infernizou a vida dos cubanos com discursos que chegavam a mais de dez, doze horas de duração, transmitidos por todas as rádios e pela televisão oficiais e praticamente compulsórios ao povo. Isto nunca fez de Fidel sequer um grande orador quanto mais um palestrante. Ou seja: quando o poder fala, não significa necessariamente que credibilidade e interesse são despertados em quem ouve.  Fosse possível e diriam todos os cubanos o mesmo que disse o rei Juan Carlos da Espanha ao também insilenciável Chaves: "Porque nò te callas?"


  O poder neste aspecto de audiência é meio parecido com a fé. Quando milhares de fiéis católicos enchem uma praça para uma missa comemorativa, isso não significa que eles estão lá para ouvir o que o padre dirá no sermão. Estão porque é uma obrigação de fé estar ali.


  Palestras são formas de comunicação semi-fechadas (ou semi-abertas, depende de diversas variáveis) em que não basta o palestrante ser famoso. Fosse simples assim e teríamos Pelé até hoje fazendo palestras sobre dribles e cabeçadas  ou Gisele Bundchen palestrando sobre como caminhar daquela forma estranha e ficar milionária com isso. Numa palestra, o cidadão que sobe ao palco precisa de muitos outros recursos além da fama.  


  É -por exemplo- indispensável que ele possua empatia, carisma, simpatia e facilidade em prender a atenção da platéia.  Além da fama, Lula também tem essa característica, embora a imensa maioria de suas platéias ao longo destes oito longuíssimos anos tenha sido formada por pessoas pouco íntimas de qualquer tema mais intrincado que o Bolsa Família e que compareciam a suas "palestras" sem gastar um tostão.


  Mas a fama, a empatia e a comunicação fácil com o público ainda não são suficientes para fazer de alguém um palestrante encantador. Se fosse, Silvio Santos ou Hebe Camargo arrasariam em qualquer palestra, o que sabemos, dificilmente acontecerá.  Eles prendem a atenção de milhões de telespectadores durante horas, falando sobre o nada. Mas tirem deles as atrações que apresentam e cobrem ingressos para ver Sílvio ou Hebe sozinhos, falando sobre qualquer coisa e ninguém irá lá.


   Um grande conhecimento do tema a ser abordado na palestra faz de alguém um grande palestrante?  Nem sempre. Certa vez inventei de fazer uma palestra sobre Planejamento de Comunicação, minha área específica de trabalho em propaganda, para uma platéia composta apenas por clientes e funcionários da própria agência em que eu trabalhava -ou seja: só gente conhecida- e foi um fracasso total. Tremi, gaguejei, pulei trechos inteiros da seqüência de exposição e se alguém ficou até o fim creio ter sido por uma questão de delicadeza.


  Ou seja: nem o fato de ser um experimente conhecedor do tema da palestra faz de alguém um palestrante.  


  Na mesma fonte onde encontrei a informação sobre o futuro palestrante Lula, ouvi também o elegante comentário do apresentador do programa, que citou como exemplo de palestrante conhecido "aquele cara que veio da África até aqui num barquinho e que de noite ficava se cagando de medo".  Ele estava se referindo a Amir Klink, que atravessou o Atlântico Sul a remo, numa aventura extremamente bem planejada e bem sucedida. Em seguida Amir transformou-se em palestrante abordando os temas Planejamento e  Motivação,  como fundamentais para o êxito de uma empreitada. 


  No fim das contas também não funcionou perfeitamente a adaptação da sua experiência como homem do mar a métodos puramente subjetivos de sucesso. Velejadores, marinheiros e navegadores não vão às suas palestras porque elas não são sobre este tema. Gestores e empresários acreditam que a experiência com o Paraty desde a Namíbia até a Praia da Espera não tem muito a ver com aumento de vendas e conquista de liderança no mercado de consumo.


  Como sua fama ficou restrita a um grupo pequeno e mais informado da sociedade, pois ele não apareceu no Big Brother nem em cima de nenhum trio elétrico, Amir é conhecido hoje pela mídia -ao menos a mídia baiana- da forma como descrita pelo homem do rádio.  


  O que então faz de alguém um grande palestrante?  Além de circunstâncias externas como momento econômico, poder aquisitivo do público, atualidade do tema etc. todos os atributos pessoais citados; juntos. Fama, empatia, carisma, simpatia, habilidade em lidar com platéias diversas, conhecimento profundo do tema das suas palestras e jogo de cintura para enfrentar os eternos desafiantes.


  É uma forma complexa de comunicação, pois o palestrante é o veículo diante do público-alvo sem os adereços de uma produção cinematográfica, sem a intermediação da câmera e sem os BGs envolventes do rádio. Paulo de Tarso, o São Paulo dos católicos, deve ter sido um formidável palestrante, pois mesmo sem nunca ter conhecido Cristo conseguiu consolidar e transformar o cristianismo, que caminhava para tornar-se mais uma seita judaica, em uma religião que ainda hoje é preferida pela maioria da humanidade.


  Pode ser que Lula da Silva tenha grande parte destas características e venha a ser um palestrante de sucesso, um Bill Clinton tropical e exótico, um Tony Blair movido a pinga em lugar de brandy. Uma coisa porém me deixa intrigado: Lula é especialista em que mesmo?