Cultura

AS MORENAS VÃO LOGO EMBORA NO ATIVISMO RACISTA, p MARCO GAVAZZA

A comunicação
| 11/01/2011 às 14:00
Noel Rosa na mira de alguns grupos ativistas afro-descendentes
Foto: DIV

Entre outras sandices, leio em artigo assinado por um destes fenômenos que são pessoas comuns tornadas celebridades instantâneas pela mídia -em especial a televisão, Rede Globo à frente- que a letra de Feitiço da Vila, de Noel, "é racista". 


Acho loucura, mas de qualquer forma, confiro palavra por palavra. A única coisa que encontro possível de ser interpretada como "racista" (assim mesmo por alguém pra lá de paranóico) é o verso "A vila tem um feitiço sem farofa, sem vela e sem vintém" em que Noel faz um paralelo entre os "despachos" tão comuns nas esquinas do Rio, com o feitiço da Vila Isabel. Mas a comparação é para reforçar o sentido de encantamento, sedução, conquista e não uma alusão à feitiçaria, ao uso de forças desconhecidas para o bem ou o mal, nada disso.  O feitiço da Vila é o mesmo fascínio que uma mulher pode despertar num homem e vice-versa, ou ainda versa-vice ou tanto faz.  Léguas de distância de qualquer olhar racista, principalmente se considerarmos que existem despachos encomendados por pessoas de todas as cores e raças.  


Acontece que alguns ativistas de grupos étnicos, sexuais, políticos e outros, buscam a afirmação deste grupo não pela valorização do que ele tem de positivo, mas pela vitimização. Ser considerado discriminado ajuda a promover o grupo, pensam eles erradamente.  A partir daí criam uma série de situações que ao seu ver caracterizam discriminação, algumas delas, absurdas. Chamar um afro-descendente de "preto" é crime, pois certo é tratá-lo por "negro". Ou é o contrário, não sei, não tenho certeza nem entendo a diferença e por isso nunca chamo ninguém de uma coisa ou de outra.  


Considero erro de comunicação brutal querer conquistar algo se apresentando como vítima de conspirações excludentes, o que hoje quase nunca é verdade e mais: não pode ser tomado como norma. Se o fosse, por que eu não posso ser nomeado ministro no governo Dilma? Qual o critério de escolha? Não existe concurso público, nada semelhante. Então é discriminação porque sou gordo, moro na Bahia ou ainda porque sou fumante. É crime e vou procurar alguma ONG que me garanta um ministério em Brasília. Quanta bobagem.


Num dos muitos filmes que assisti, lembro bem de um diálogo sem importância na trama. Um dos personagens comenta com outro (recordo pouco do filme, desculpem) sobre um terceiro: "Aquele cara é terrível, não gosta de nada. Imagine que ele não gosta nem de golfinhos".  A frase ficou na minha memória porque eu próprio acho golfinhos insuportáveis.  Essa história deles quererem ser parte do grupo dos humanos é muito chata e deve deixá-los marginalizados entre seus colegas peixes. Declarando isso publicamente corro o risco de ser enquadrado como discriminador e ser processado por alguma ONG que defende os direitos dos golfinhos. Talvez.  Eles serão assim mais admirados pelos humanos e respeitados entre os peixes? Duvido. A humanidade costuma criar carimbos que muitas vezes não consegue abolir, mesmo muito depois que eles perderam a validade, a utilidade ou a veracidade.


Em nenhum lugar do mundo a discriminação social foi mais dramática que nos Estados Unidos, mas hoje eles possuem um negro na presidência da república. Em muitas nações, grupos de descendentes de escravos, independente de raça, (a história universal não registra apenas a raça negra na condição de escravidão) não abrem mão desta condição, usando-a como diferencial social. Judeus escravos construíram o Egito, mas conquistaram sua liberdade. Judeus livres quase foram exterminados pelo doido do Hitler, renasceram e se firmaram como nação. Invadiram territórios palestinos, desenvolveram-se de forma vertiginosa, com grande parte do PIB mundial nas mãos.  Mas não deixam passar uma chance de lembrar que são vítimas da humanidade. Desde a Bíblia.  


Já os gays conquistam cada vez mais espaço, direitos e respeito exatamente por nunca levantarem como primeira bandeira a discriminação.  Eles começaram sua luta reivindicando direitos civis e constitucionais, questionando as tradições de orientação sexual, denunciando violências e quebrando tabus que se encontravam há séculos dentro dos armários.  Criaram símbolos, apresentaram grandes personalidades históricas com preferências homossexuais, trataram o assunto por diversas vezes com ironia e bom humor e assim foram derrubando barreiras naturalmente. As paradas gay provam que os resultados são positivos. A propaganda como forma de manifestação foi também uma arma fortíssima utilizada na pacificação de Angola, mostrando que a comunicação, quando bem feita, pode alterar sistemas e ordens sociais solidamente estabelecidas. 


Vejo na comunicação social das organizações afro-descendentes, erros gritantes de estratégia que vão desde afirmar que Jesus -personagem que se existiu, não se faz a menor idéia de sua aparência- era negro, até considerar o carinhoso tratamento de "neguinha"; uma ofensa.  Quando estes erros são cometidos na Bahia onde quase 75% da população são "negros" -segundo o IBGE- eles viram tolices.  Existem coisas mais importantes. Porque essa imensa maioria não deu o senado a Edvaldo Brito?  Eu votei nele.


A maior discriminação que existe aqui é social.  Por alguma razão que os antropólogos talvez conheçam, a Bahia detesta pobres, sejam eles de que cor, sexo, idade ou etnia sejam. Imigrantes espanhóis que vieram para Salvador no começo do século 20, trabalhando em armazéns, dormindo no depósito de cereais, usando a mesma roupa o ano todo para juntar dinheiro e abrir o seu próprio armazém, foram discriminados por muito tempo.  Um espanhol não era visto pela sociedade baiana como nada além de balconista de armazém.


Ainda hoje a discriminação social na Bahia é clara.  Pare na porta de um restaurante com uma Mercedes conversível e você será tratado como um rei. Chegue a pé e só encontrará uma mesa junto à porta do banheiro e irá esperar horas para alguém te entregar um cardápio.  Entre numa loja de shopping de chinelo, bermudão, camiseta e barba por fazer e dificilmente alguém perguntará o que v. está fazendo alí. Mas, envergue um Armani, óculos Ferrari e tome um banho de perfume Aqua Brava que estoque e funcionários estarão à seus pés. Isto não tem nada a ver com cor, escolaridade, sexo ou idade. É um tratamento comum na Bahia, onde a aparência importa sim; e muito.  A propaganda não está isenta de culpa neste comportamento, ao valorizar a estética acima de tudo.


Acho que numa terra em que Senhor do Bonfim e Oxalá se entendem, seus habitantes deveriam fazer a mesma coisa e não desenterrar genealogias como salvo conduto para conquistas abertas a todos. Èpa Bàbá e viva Noel Rosa.