Cultura

JÁ PODE FALAR MAL DE LULA?, UMA INTERPRETAÇÃO DE MARCO GAVAZZA

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| 05/01/2011 às 10:24
Lula, interprete da comunicação popular ao modelo Chacrinhca, atingindo as massas
Foto: AG BRASIL

Confesso que por vezes me pergunto se não há algo errado em mim, por não fazer parte dos quase 90% de brasileiros que consideram o ex-presidente Lula uma espécie de Tony Blair tropical. O ex-metalúrgico e agora simplesmente ex jamais me transmitiu o mínimo de confiança.  Nunca votei nele. Não por ser ele semi-alfabetizado, de origem humilde, metido a engraçado ou razões de "menas" importância, mas simplesmente por saber que na presença de Luis Inácio não acreditaria em uma única palavra dele, além de desconfiar que talvez fosse necessário segurar bem firme a minha carteira.  


É claro que me sentia melhor representado como cidadão brasileiro diante do mundo por FHC que pelo "cara". Era bom saber que o presidente do nosso país conversava com a comunidade européia no mesmo nível e sem tradutor.  Já o ex-sindicalista (também) como todo narciso, achou que Obama estava falando sério e fez com que toda a imprensa brasileira considerasse aquele "o cara" um elogio, levando o povo por sua vez a pensar a mesma coisa. Quem conhece Obama de perto -não faço parte deste grupo, claro, mas já li sobre ele- sabe que o democrata norte-americano é um finíssimo gozador e mestre da ironia. 


Mas independente de qualificação cultural, simplesmente FHC me transmitia integridade e Lula, não. Com alguém que descarta um dedo da mão em troca de uma aposentadoria precoce a gente precisa, no mínimo, não tirar o olho dele.  Assim, quando começaram a surgir as primeiras denúncias de fartas roubalheiras acontecendo em Brasília, de mensalões e dólares circulando em cuecas, calcinhas e outros invólucros, Lula fez de conta que nunca tinha ouvido falar em Zé Dirceu, Genoíno, Delúbio, Duda Mendonça ou naquele japonês que dirigia a Comunicação e distribuía verbas entre agências de propaganda petistas.  Nunca viu nada, nunca soube de nada.  Alí tive a confirmação de que eu estava certo, mas isso não fazia a menor diferença. 


Não estou aqui para fazer uma análise da era Lula, pois que além de não ser o meu papel neste portal, existem milhares delas já feitas e publicadas por gente que entende do assunto. Quero falar com você sobre o Lula comunicador, a concretização literal e inteligente do brasileiríssimo "saber com quem está falando". Por isso disse aí em cima que quando estouraram os esgotos de Brasília isso não fazia a menor diferença. A brava gente brasileira já aprovava qualquer coisa que "o cara" fizesse ou dissesse. 


A compra do Aerolula, por exemplo,  foi vista com naturalidade até por que gasta 3 horas e meia numa estrada de barro esburacada para ir do seu povoado até uma estrada de asfalto esburacada.  Porque Lula, mais que metalúrgico, sindicalista, presidente ou esperto, é um gênio da comunicação. Uma raríssima exceção no árido mundo empolado e chato da linguagem política.


Sei disso pessoalmente, de perto e muito bem por ter tido imensa dificuldade, trabalhando em diversas campanhas eleitorais, em fazer com que um candidato conseguisse subir num palanque ou falar diante de uma câmera sem a postura de quem está na tribuna do Congresso. Lula é um gênio no falar ao povo o que ele sabe e quer ouvir, sem tirar do bolso antes de começar, um imenso pacote de folhas de papel que possuem como única utilidade esvaziar a platéia.


Lula é um Silvio Santos perguntando para uns 100 milhões de brasileiros na linha da miséria "quem quer dinheiro?" e jogando cédulas de 50 e 100 reais para o alto.  Ou indo mais para trás na história, um Chacrinha, que perguntava à sua platéia "vocês querem bacalhau?" e atirava pacotes do peixe para a galera. Chacrinha foi inclusive o primeiro apresentador de televisão a incluir no palco, gostosas dançarinas, com pouca roupa para a época, apenas para garantir audiência masculina. Chacrinha deu certo, Silvio Santos deu certo, Lula deu certo. E não há mistério nenhum nisso. Comunicação não é o que v. fala e sim o que o outro entende. O ouvido é a parte mais importante de uma conversa, já diziam os gregos, sempre sábios. 


Quando você fala a uma pessoa o que ela está esperando ouvir ou quando diz algo que ela entende, sua idéia é sempre bem aceita. Mas a enorme maioria dos humanos precisa, por razões que os gregos sabem melhor que eu, falar aquilo que ela própria sabe, para mostrar a sua própria capacidade, o seu próprio conhecimento e sua genialidade. Por isso os médicos "explicam" sem qualquer pudor a um pobre analfabeto atendido num ambulatório do SUS, que certas substâncias são vasoconstritoras, criam placas obstrutivas e por isso elevam a pressão arterial aumentando o risco de um AVC.  Entendeu? Imagine ele. 


Lula diria que "tem uns negócios aí que se a gente come faz as veias ficar espremidas e pode dar um treco nos miolos porque o sangue não passa." Eita médico danado de bom esse dotô Lula.  As metáforas futebolísticas são o grande exemplo de inteligência da comunicação de Luis Inácio. Quase 100% da população do país adoram futebol e entendem perfeitamente quando ele diz que certo político parece o Romário. Está claro que o cidadão não é de fazer muita força, mas quando entra em cena marca o dele.  Mesmo quem não gosta de futebol -existe, pode acreditar- sabe do que ele está falando porque é impossível fugir das informações diluvianas e ininterruptas sobre a bola neste país.


Falar de uma cachacinha, chamar a si próprio de Lulinha, contar as histórias de quando ele passava fome, mandar o protocolo pro espaço, carregar no ombro caixa de isopor cheia de cerveja, falar palavrão nos discursos, dar tapinhas nas costas do Papa, chamar as autoridades por apelidos, tudo isso fez com que a imensa maioria dos brasileiros se identificasse com ele.  Daí pra frente ficou fácil. Era só abrir a boca e ser aplaudido. Quem ousaria discordar?


Enquanto eu, você e mais uma turminha, a minoria brasileira que não se deixar levar pelas aparências e busca conteúdo naquilo que ouve ou lê,  perdia tempo provando que o novo Bolsa Família era uma compra de votos legalizada, Lulinha amparado pelos bons ventos da economia internacional, distribuía dinheiro (que ninguém sabe de onde foi tirado) entre a absoluta maioria brasileira que há muito esperava conteúdo em suas panelas.


Apesar do título da matéria, não tinha nenhuma intenção de falar mal do Lulinha. O Brasil precisava dele para finalmente se identificar. Mas quero lembrar Tchecov. Ele dizia que um cão faminto só tem fé na carne.  Pois é.