Cultura

2010: BOM ANO PARA PUBLICIDADE BAIANA, SEM NOVIDADES, p MARCO GAVAZZA

VIDE
| 29/12/2010 às 09:00
No varejo prevaleceu a guerra de preços para derrubar os concorrentes
Foto: DIV

Perdemos Saramago e ganhamos o iPad. Acho que isso resume 2010 do ponto de vista da comunicação, em sua forma mais abrangente. 


A morte de Saramago parece decretar oficialmente o fim da filosofia como um sistema de pensamentos destinado a enfileirar grandes dúvidas e provocar reflexões. Exatamente no extremo oposto aos livros de auto-ajuda que nos apresentam certezas ridículas e fórmulas para resolver qualquer ansiedade.  Desconheço algum autor vivo que se atreva a abordar hoje, questões que não tenham uma solução alinhavada nas últimas páginas.  Escrever livros para lançar perguntas aparentemente sem respostas na mente dos leitores deixou de existir e com isso foi-se a filosofia.


A tarefa de interpretar o mundo através da literatura -ela, a filosofia- deu lugar a uma comunicação em que só interessa o presente, o momento, o instante. Esta transformação na comunicação, na qual o passado e o futuro parecem não fazer parte da história, ajuda a produzir fenômenos tais como chegarmos ao final de 2010 com pouquíssimas pessoas lembrando que este foi um ano de Copa do Mundo do futebol; coisa que antes era assunto para ao menos dois anos de comentários.  Ou pior ainda: entregarmos a cadeira da Presidência da República do Brasil a uma pessoa que ninguém sabe o que pensa ou pretende.


Vivemos o aqui e agora, a informação ocupando todos os espaços e impedindo o questionamento, a busca da explicação, aquilo que em propaganda chamávamos de "reason why" quando esta ainda também se preocupava em entender as necessidades do consumidor e a partir daí construir suas promessas e sonhos.


O iPad com seu formato singelamente semelhante a uma revista ou livro, surge como um ícone desta transformação, uma espécie de irônica homenagem póstuma ao pensamento e à filosofia, trazendo para dentro das bolsas ou para debaixo dos braços,  a informação instantânea, além de outros badulaques que podem tornar o tempo do trajeto de casa para o trabalho ou a espera na recepção de uma empresa, mais ameno, eliminando o terrível incômodo que é hoje, para a maioria dos habitantes deste planeta, ficar em companhia apenas dos seus próprios pensamentos.  


Antes que pensem estar eu completamente desinformado ou demonstrando desavença intelectual com a modernidade e decidam impugnar minha opinião, não esqueci que é possível baixar livros inteiros no iPad, mas duvido muito que alguém faça o download de Faulkner, Borges, Euclides da Cunha, Dante, Spinoza, Kant Marcuse, Proust ou até mesmo, Saramago.  


Assim, creio que junto com a filosofia e empurrada pela mediocridade do ensino fundamental e da continuidade de instrução, foi-se também a cultura. Avançou a informação científica, porém perdeu-se o sentido humano -portanto, cultural- das atividades que exercemos, desde a medicina até a arte. 


Hoje a "cultura" também é instantânea e sua função maior, divertir.  Por isso ela se tornou também efêmera, descartável e nada memorável. Por acaso alguém ainda lembra que -neste mesmo ano de 2010 que parece Lula, sem querer sair de cena- o filme que ganhou quase todos os Oscars de Hollywood foi o tecnológico e irrelevante Avatar? 


Na Bahia, na área da comunicação publicitária, 2010 foi um ano de grande movimentação e intenso trabalho de planejamento, pesquisas e estratégias, graças à campanha eleitoral. Pelo menos meia dúzia de agências estiveram envolvidas na campanha, gerando empregos temporários de longa duração, buscando novos recursos e movimentando setores de apoio à propaganda em si. 


Um ano de grande atividade e desgaste intelectual para todos os envolvidos, o que torna -de certa forma- 2010 um bom ano para a propaganda baiana. Digo "de certa forma" porque o resultado de tudo isso, aquilo que foi às ruas para interagir com o eleitor, não trouxe qualquer novidade.  Campanhas publicitárias bem feitas, competentes, de alta qualidade, porém sem surpresas. 


Fora da campanha eleitoral, predominaram as guerras de preço entre lojas do grande varejo, com cada um prometendo arrasar, derrubar, esmagar, destruir e reduzir o outro a pó.  Como tudo isso é muito bem orquestrado entre os próprios anunciantes, perdemos nós mais uma vez, comprando produtos de mostruário, fora de linha ou prestes a serem substituídos por novos lançamentos. 


O mercado imobiliário seguiu o caminho das pedras, sem correr riscos em sua comunicação, já que seus empresários tiveram que lidar com outros problemas, estes relacionados à administração pública e de solução imprevisível.  Por isso continuamos a ver anúncios de lançamentos que dois anos antes foram declarados como "totalmente vendidos" em 15 dias.  Faz parte do show.


Assim, a comunicação fecha a primeira década do século 21 incorporando as principais características socioculturais a que chegamos, conduzidos pelo fio da História, do tempo e da vida -time line, se preferirem- que apenas se desenrola sem maiores explicações ou lógica, como tão bem o disse João Cabral de Mello Neto, em Morte e Vida Severina.


O fim da filosofia, a cultura descartável voltada para a distração, a tecnologia da comunicação digital criando o paradoxo da integração global e do isolamento pessoal e outros aspectos da atualidade são frutos de um processo do desenvolvimento integrado, incluindo desde a pressão da vida nas megalópoles e o aumento da expectativa de vida até as mudanças climáticas e o desaparecimento secular hábito das refeições em família.


A comunicação, em suas mais diversas formas de expressão, apenas reflete o que construímos para nós mesmos em 2010 e antes dele. Ela seguirá fazendo o mesmo em 2011, 2012 e por aí adiante, mudando apenas os meios.  


Pena que não mais com o romantismo daquela velha historinha do publicitário francês que triplicou a ajuda recebida diariamente por um cego nas ruas, ao trocar o cartaz pendurado em seu pescoço, onde estava escrito "Sou cego. Preciso de sua ajuda." por outro onde se lia "É primavera em Paris, mas eu não posso ver".  Feliz 2011.