Cultura

NATAL SE TRANSFORMA EM AÇÃO INTERNACIONAL DE MARKETING,p MARCO GAVAZZA

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| 22/12/2010 às 09:01
Shoppings são as catedrais de consumo ancorados no símbolo de Papai Noel
Foto: BJÁ

Ao longo do tempo foi ficando cada vez mais difícil -para mim- ver o Natal como uma festa religiosa.  Embora tenha estudado em colégios pertencentes a ordens católicas, nunca aceitei completamente toda aquela história de anjos anunciadores, espírito santo engravidando virgens, fuga do Egito em cima de um burrinho, parto num estábulo com a criança acomodada numa manjedoura, estrelas guiando reis que ninguém sabe ao certo de onde surgiram levando seus presentes exóticos. O que será que José fez com o ouro, por falar nisso? Tudo sempre me pareceu mirabolante demais para o nascimento de uma divindade.


Mas, segui em frente com os rituais, aguardando ansiosamente a visita de Papai Noel, mesmo sem conseguir estabelecer qualquer ligação entre ele e a história contada pelos padres.  Havia algo de abstrato que permeava tudo isso e fazia a gente deixar pra lá as perguntas complicadas: certo sentimento de fraternidade, uma espécie de amor comum revelado e pairando no ar durante o período. 


Descobri, muito tempo e muitas páginas lidas depois, que os cristãos criaram o hábito da comemoração do nascimento de Jesus só no século IV, trezentos anos depois do fato ocorrido, durante o Concílio de Nicéia, onde entre outras coisas Constantino definiu a religão cristã como oficial de Roma, evitando assim uma provavel guerra civil em seu império. Neste mesmo conselho decidiu-se pela natureza divina de Jesus, o que significa ter sido o homem de Nazareth considerado um deus, por decreto.  A data 25 de dezembro como sendo a do seu nascimento foi escolhida pelos romanos por tratar-se do solstício de inverno, num aproveitamento das festas ao deus Sol realizadas dos povos pagãos.


A data verdadeira, depois de muitos estudos e pesquisas, caso tenha realmente acontecido, situa-se entre 20 e 30 de agosto do ano 7 AC. Ou seja, depois que o calendário romano passou a ser considerado mundialmente e tendo como ano zero o nascimento de Jesus, descobriram que se isto ocorreu, ele nasceu uns sete anos antes do ser o marco inicial.  Até aí, tudo bem. Sabemos como é complicado localizar no tempo e no espaço acontecimentos que remontam a milhares de anos.  


Entretanto, com ou sem questionamentos histórico-religiosos, seguia valendo o simbolismo, as reuniões em família,  os presépios e os encontros com as pessoas amadas,  sem preocupação com presentes exceto o dos nossos pais,  já que a esta altura, Papai Noel havia deixado de ser um realidade para ser mais um símbolo.  Um  simples cartão de Natal entregue pelas mãos do carteiro possuia um efeito fortíssimo, pois que trazia de longe uma mensagem de felicidade para nós.


Assim, mesmo cada vez mais distante de alguma possível verdade histórica, o Natal para mim ainda mantinha uma certa magia no ar; aquela sensação de é possível amar as pessoas e querer sinceramente que elas sejam felizes, abençadas seja por Jesus em seu aniversário ou em qualquer outro dia ou ainda por qualquer outra energia ou divindidade em que ela acreditasse.  


Mas lentamente os símbolos religiosos e espirituais foram perdendo espaço dentro da festa e as transformações ocorridas na sociedade alteraram completamente o Natal.

Desapareceu o espírito de fraternidade, a inocência do amor pelos mais próximos e surgiu uma desenfreada corrida por festas, comemorações, presentes e recompensas sabem-se lá em merecimento de que.  Papai Noel passou a ser a logomarca daquilo que se tornou o símbolo mais importante do Natal: o 13º salário.


Qualquer coisa que é produzida industrial ou artesanalmente é anunciada como um magnífico presente de Natal que você deve dar a alguém, o que acaba por realmente acontecer. Desde a lata de sardinha que compõe uma "cesta básica" de Natal que certas empresas oferecem aos seus funcionários, soando mais como um pedido de desculpas que outra coisa; até uma volta ao mundo a bordo do Oasis of The Seas, da Royal Caribbean. Este mimo custa em torno de 50 mil dólares por pessoa num barco com 360 metros de comprimento, um bosque vivo com parque de diversões no deck central e uma programação para a noite natalina que inclui show com Paul MacCartney.  


Para estes -os muito ricos ou os muito, muito pobres- o Natal é um período de descanso e uma oportunidade de ganhar algum presente interessante. Seja a sardinha ou o navio.


Espremidos entre estes extremos, como sempre, estão os sofridos representantes da classe média que se vê obrigada a participar de dezenas de amigos secretos, assinar listas de contribuições para porteiros, seguranças, manobristas, garçons, funcionários da escolinha, do clube, da academia,  do posto de gasolina etc. obrigando-os a fazer e refazer dezenas de vezes listas de nomes e orçamentos para poder presentear o máximo possível de pessoas, se não desejarem ser considerados "mão fechada".


Claro que a propaganda exerce um papel fundamental neste processo, bombardeando a gente de todas as formas possíveis.  Seja lá qual for o veículo de comunicação que estiver por perto de você, ele estará anunciando um televisor de plasma de sei lá quantas polegadas ou mesmo um seguro de vida com direito a sorteios mensais de automóveis, como o presente ideal para você dar a alguém.


Os shoppings centers transformam-se em catedrais do consumo e não natalinas, onde multidões disputam a tapas uma camiseta fabricada no interior da Bahia e que adquiriu o status de griffe graças, confessemos, à propaganda.  Neste Natal alguns shoppings estarão funcionando até 1 h da madrugada, permitindo que você possa comprar mais, mais, e mais; endividando-se também mais e mais e mais.


Claro que além do insupotável discurso "meu amigo secreto é uma pessoa muito legal etc." ainda existem comemorações em família onde o amor, a fraternidade, a serenidade e a solidariedade estão presente.


Mas, de modo geral, o Natal transformou-se numa massacrante ação internacional de marketing e propaganda. Somente isso. Se me perguntarem o que mais desejo no Natal, respondo sem hesitar: que passe logo. Ainda assim, feliz Natal para todos vocês.