Cultura

ESTRELANDO VOCÊ PROPAGANDA ESCOLHE PESSOAS BONITAS, POR MARCO GAVAZZA

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| 24/11/2010 às 08:43
Falar diretamente ao consumidor é o segredo da propaganda Bombril
Foto: Portal da Propaganda

Se a sua vida dá pra ser transformada num livro e alguém resolver filmar este texto, que ator ou atriz você escolheria para interpretar você mesmo? Complicado. Pense com calma e depois você me diz. Enquanto pensa, podemos fazer exercícios de imaginação e ver a vida de algumas figuras públicas bem nossas conhecidas sendo interpretadas no cinema. Tenho certeza de que Tarcísio Meira faria um excelente João Henrique Carneiro. Fernanda Montenegro interpretaria Irmã Dulce de maneira irretocável. E quem melhor que Hugo Carvana para fazer o nosso bi-governador Jaques Wagner? Por aí.  


Mas falando sério, transformar livros em filmes não é fácil.  Quando se filma um roteiro criado especialmente para o cinema é tudo muito diferente. Cada espectador é apresentado e conduzido à história através da trama e das características individuais dos personagens, na hora em que as luzes da sala se apagam e começa a ação.  O imaginário não é muito solicitado, sendo mais necessários para que se forme um "gostei" ou "não gostei" do filme, referências pré-existentes, gosto pessoal e outros fatores. Mas a história está alí pela primeira vez para cada um dos espectadores, por mais intrincada que seja e acabe por exigir também raciocínio, além da emoção. 


O livro filmado é outra história. Você já "conhece" tudo, pois enquanto lia ia formando mentalmente os cenários, os personagens e os ambientes, ajudado pela capacidade descritiva do autor e principalmente por sua própria imaginação.  Assim as possibilidades daquilo que aparece na tela não ter nada a ver com o que você já leu, imaginou e gostou ou não, são grandes.  


A história do cinema está repleta de livros filmados que se tornaram um sucesso ou um fracasso inesquecível. Desde "Os Dez Mandamentos", tirado diretamente da Bíblia, até a série Harry Potter, são inesgotáveis os exemplos, tanto dos que acertaram quanto daqueles que erraram feio.  Todos os filmes iniciais da série 007, com Sean Connery, pareciam ter sido gravados direto das nossas mentes, pois tudo o que imaginamos lendo os livros de Ian Fleming, estava igualzinho na tela. Embora este caso mereça uma ressalva: a maioria das pessoas não leu os livros e os que o fizeram, foi depois de ver o filme. Ficou mais fácil.


Mas o que dizer -por exemplo- de "O Código Da Vinci"?  Os erros começaram pela escolha do elenco, onde só consegue se salvar da saia justa Jean Reno, veterano e magnífico ator francês acostumado a fazer bem qualquer papel. Audrey Tatoo, que é uma atriz maravilhosa, não diz para que está no filme nem se encaixa no papel de neta do curador do Louvre. E Tom Hanks? Bem, ele é o instável Tom Hanks, não é?  Um ator capaz de ir do brilhantismo perfeccionista de "Forrest Gump" até o inusitado fenômeno de ser ofuscado por Wilson, uma bola de basquete, em "O Náufrago".  O resultado é ser "O Código da Vinci" um filme medíocre feito a partir de um livro excelente.


A escolha do elenco para levar até o cinema o que foi descrito num livro é o fio de navalha. Ninguém mais poderia ser a "Gabriela" de Jorge Amado senão Sônia Braga em pleno apogeu de interpretação e curvas.  Ou Javier Barden fazendo Florentino Ariza em "O Amor Nos Tempos do Cólera" do livro de Gabriel Garcia Marques.  Ou ainda Antonhy Hopkins fazendo "Nixon" sem sequer se preocupar com semelhança física. Todo mundo só vê Richard Nixon na tela. 


Portanto, livros levados para a tela podem ser fascinantes visualizações daquilo que lemos ou uma caricatura grosseira. Assim, quando comprei o DVD "Os Homens Que Não Amavam as Mulheres" versão para o cinema do primeiro livro da trilogia Millennium, do sueco Stieg Larsson, estava preparado para qualquer coisa.


Com diretor e atores suecos (conhecidos talvez apenas por cinéfilos em tempo integral) o filme começa vencendo o que me parece ser o maior desafio: montar o personagem Lisbeth Salander. Hacker, punk, bi-sexual, vítima de estupros na infância e adolescência, hábil em artes marciais, monossilábica, idade 29, porém pequena e magra com aparência de 16 ou 17 anos e ainda assim, dona de fortes apelos eróticos.  Um verdadeiro quebra-cabeça com tudo para se tornar algo grotesco. Mas a Lisbeth personagem central do primeiro livro e do filme, está perfeita.  A partir deste acerto a equipe não erra nada e o livro de 522 páginas se transforma fielmente num filme de 146 minutos. Cenários, locações, ambientes, personagens, trama, tudo é mostrado exatamente como imaginou quem leu o livro e com uma vantagem: para quem não leu, o filme também é excelente.


Por que a propaganda tem tanta dificuldade em buscar personagens exatos para espelharem o potencial consumidor dos produtos anunciados?  Porque é realmente mais difícil e em função disso, comete-se o erro de ter como critério decisivo a beleza física. Um liquidificador pode ser usado por homens e mulheres de 10 a 80 anos, de todas as raças, cores, tamanhos e formatos. O que fazer então para mostrar o "consumidor" de um produto assim?  Escolhe-se uma mulher branca, jovem e bonita e está resolvido o problema. Ou acha-se que está, quando na verdade o personagem-consumidor rouba a atenção do produto ou simplesmente desaparece.


Os comerciais de cerveja falam com um público secundário do produto, a geração saúde & festa, preocupada com a barriga, que consome duas ou três latinhas e fim de papo. O consumidor profissional de cerveja, capaz de consumir hectolitros do produto enquanto permanece horas sentado à mesa de um boteco discutindo o cotidiano, a vida ou o nada, este não aparece nunca porque não é gente bonita.


O Bombril é algo semelhante ao liquidificador, com a diferença de ser usado majoritariamente por mulheres e possuir várias aplicações além da sua função principal no arsenal de limpeza doméstica.  O toque de gênio na sua comunicação foi não mostrar quem usa o produto, mas falar com elas, fazendo com todas se identificassem com o mesmo.  Mas é uma exceção. Geralmente o que vemos na propaganda não corresponde à realidade. Um projeto de lei chegou a ser criado para incluir negros em comerciais, com base em critérios de discriminação, quando estes deveriam ser incluídos por critérios mercadológicos, num país miscigenado como o Brasil. Mas a propaganda segue pedindo perdão às muito feias e dizendo que beleza é fundamental.  Pode ser.


E você? Já escolheu o artista para interpretar a história da sua vida?