Cultura

PROPAGANDA NA BAHIA DANÇA CONFORME A MÚSICA, POR MARCO GAVAZZA

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| 17/11/2010 às 08:02
Quatro bifes não são a mesma coisa de um filé
Foto: Canal News

Comecei a trabalhar em propaganda como assistente de layoutman. Quando não existiam computadores e outras facilidades atuais, havia um diretor de arte que desenvolvia a idéia gráfica de um anúncio, cartaz, outdoor etc. executando roughs -um rascunho desenhado num bloco de papel- que o layoutman deveria transformar num layout bem desenhado, bem acabado, para apresentação ao cliente. O assistente de layoutman -eu- era o sujeito que fazia a parte chata: desenhar letras, colar ilustrações, simular linhas de texto e finalmente montar tudo aquilo com cola de sapateiro num cartão grosso, recobrir com papel vegetal e assim estava pronto um layout. 


Meu salário na época ficou registrado facilmente em minha memória. Não lembro o valor, mas nunca esqueci que era o equivalente a dez salários mínimos. Para um jovem de vinte anos, era uma fortuna. Eu ganhava a mesma coisa ou mais que um engenheiro, um médico ou um arquiteto e ainda estava sendo pago para aprender os segredos da profissão. Hoje, um salário correspondente a dez salários mínimos é o que se paga a um diretor de criação de uma agência de médio porte.


O que aconteceu com a propaganda baiana e os salários de seus profissionais?  Porque deixamos de ser exportadores de talentos e recordistas em premiações para passarmos simplesmente a cumprir prazos?


A partir das diversas crises financeiras nacionais e internacionais surgidas lá pelos anos 90 do século passado, diversos mercados entraram em crise. Dos grandes pilares que suportavam a propaganda baiana -governo, imobiliário e varejo- dois deles foram duramente atingidos, sobrando a comunicação governamental como  a única fonte inesgotável de receita.


Daí em diante, vários fatores contribuíram para que a propaganda hoje seja uma profissão como outra qualquer, onde ganhar o suficiente para manter um padrão razoável de vida exige sacrifícios, uma carga horária pesada e sempre que possível, um trabalhinho extra, os chamados freelance ou frila, para os íntimos. 


O primeiro foi a quebra da lei 4680 que regulamenta -ou regulamentava- a atividade e os ganhos das agências, por parte dos anunciantes e com a submissão dos empresários de propaganda. Quando eu tinha uma agência em Aracaju um dos meus clientes, que entre outros empreendimentos operava uma agência de viagens, me disse claramente: "Não existe nenhum negócio no mundo, dentro da lei, que seja comissionado em 20%. Minha agência de turismo cobra 6% de comissão e já é uma taxa alta." 


Assim, a comissão de 20% sobre a veiculação passou a ser reduzida por pressão dos grandes anunciantes, principalmente os anunciantes nacionais, mas esta mudança passou a valer até para o armarinho da esquina.  Para as agências, melhor ganhar 15%, 12,5% ou até 10% de uma  verba razoável que 20% de nada.  


Em seguida a pressão dos anunciantes se estendeu até os fornecedores. Livres do percentual de 15% (às vezes mais, muito mais, embutido no chamado por fora) acrescido aos orçamentos como remuneração da agência, estes puderam oferecer preços bastante inferiores diretamente aos anunciantes que passaram a comprar seus serviços sem intermediação. Mais uma vez as agências acharam por bem ceder também a isso, mantendo algum percentual aceitável pelos clientes junto a fornecedores em troca de uma -sempre que possível- fidelidade. Não satisfeitos, os anunciantes passaram a questionar a validade dos custos internos das agências, principalmente os custos de criação, considerados elevadíssimos e "artificiais" como se talento para criar propaganda que fica na memória e vende,  fosse algum chip disponível em uma loja de informática.


Enquanto tudo isso ocorria, as lideranças empresariais da propaganda baiana se reuniram e no mais puro estilo capitalismo egocentrista  decidiram que era indispensável reduzir custos em todos os setores das agências, exceto é claro, no que dizia respeito à suas próprias retiradas.  E assim foi feito, com excessão de pouquíssimas agências, começando pela criação onde um "teto" salarial foi estabelecido para cada função.


Enquanto esta ação gerencial era aplicada, este mesmo empresariado percebeu que cada dia mais jovens batiam às suas portas, saindo das universidades (que haviam adotado em massa o curso de propaganda na época das vacas gordas) e se ofereciam para estagiar e/ou trabalhar com a mínima ou até sem nenhuma remuneração. Mais uma vez o capitalismo freudiano rapidamente fez as contas: se eu pago 2 mil reais a um redator, posso ter quatro pagando 500 a cada um.  Ninguém lembrou que isto funciona em matemática mas raramente em talento.  Quatro bifes não são a mesma coisa que um filé.


Encurtando a conversa: os talentos que faziam a propaganda baiana brilhar saíram de cena e foram cuidar de suas vidas de outra forma, enquanto a qualidade da comunicação publicitária descia ladeira abaixo. Criativos, planejadores, atendimentos, mídias, produtores, fotógrafos e outros profissionais foram substituídos por estagiários e iniciantes, apoiados por ilustrators, photoshops, image banks e outros recursos, estes sim, à venda em qualquer loja de informática.


E para surpresa geral, o baixo nível da propaganda não representou uma queda de vendas. Porque junto com ela, caiu também o nível de exigência do consumidor, as classes C e D foram às compras após a superação das crises e a reação do mercado, o poder aquisitivo aumentou de modo mais perceptível e a concorrência acirrou-se tornando os preços mais acessíveis. Hoje temos um nível sofrível de qualidade na nossa propaganda, não só na Bahia, mas em todo o país e ninguém -além dos profissionais que transformaram essa atividade em algo memorável-  perdeu nada.


Na verdade, o que aconteceu com a propaganda é a confirmação de um axioma do David Ogilvy, muito discutido: "A propaganda não cria tendências. Ela as segue." E como a tendência brasileira nos últimos tempos no que se refere à comunicação é a mediocridade, lá vamos nós no mesmo rumo. No fim, por mais difícil que possa ser aceitar tudo isso, até que tem certa lógica.