Cultura

SOU UM SAUDOSISTA: QUERO APENAS UM CELULAR, POR MARCO GAVAZZA

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| 20/10/2010 às 09:17
Dois mundos distintos entre o orelhão (ainda em uso) e o celular
Foto: Evolut

Há pouco mais de uma década, participei de uma reunião secretíssima na extinta DS2000, com a diretoria da Telebahia. Era uma reunião de briefing para o lançamento na Bahia de um negócio chamado telefone celular.  Boa parte da reunião foi gasta em entendermos como funcionaria aquela maravilha que estava para entrar no mercado.  Celular? Porque celular? Porque os sinais são transmitidos via satélite para antenas que cobrem "células" da cidade. Ah, sim, claro. Já Caixa de Mensagens, por exemplo, parecia-nos uma coisa surrealista.  Uma "secretaria eletrônica" que a gente carregava pra lá e pra cá. Muito bem. Finalmente entendido o que era o produto, partimos para as ações de comunicação e campanha de lançamento. 


Pouco tempo depois disso ganhei um aparelho que atendia pelo número 716857, para agilizar a comunicação entre o grupo de trabalho de uma campanha eleitoral para um candidato a governador da Bahia. Era um Motorola do tamanho e peso de um ferro elétrico, com um flip onde ficava o microfone e uma antena enorme.  Lembro que certa noite eu estava no Zona Franca (depois Pós Tudo)  e aquele negócio começou a tocar e ficar iluminado com um verde fluorescente que provocou um início de pânico entre as mesas próximas.  Rapidamente atendi a chamada e levantei para ir falar em outro lugar. Ao retornar, as pessoas me olhavam de forma estranha, mas disfarçadamente, pois ninguém tinha muita certeza de quem poderia ser a pessoa que estaria  usando um aparelho daqueles.


De lá para cá, o celular evoluiu numa velocidade espantosa. Surgiram diversas operadoras e incontáveis marcas passaram a produzir aparelhos cada vez menores e mais sofisticados, até que uns dois anos depois o meu Motorola estava reduzido a outro Motorola desta vez menor que um maço de cigarros, embora mantivesse uma antena -menor- e lembrasse vagamente um sapo.


Em seguida, os celulares começaram a incorporar gadgets como calculadora, agendas de compromissos, joguinhos, rádios, câmera fotográfica, gravadores de vídeo etc. tornando-se cada vez mais populares. Em pouco tempo, como previam muitos dos conhecedores da tecnologia da informação, começou uma convergência dos celulares com os computadores, com a incorporação de mensagens de texto e outros recursos.  Daí até surgirem os smartphones foi um pulo.


Hoje um celular é praticamente um notebook que faz ligações telefônicas, coisa que os note também fazem. Acessam a internet, mandam e recebem e-mails, recebem a programação da televisão aberta, rodam Windows, possuem GPS, mapas, bússolas, tradutores, cartões de memória, forno de micro ondas, massageadores, DVD, ar condicionado, lavabo e até escrevem por você. Basta teclar um "e" e um "n" que ele completa com a palavra "enviando" mesmo que não seja nada disso que v. queira dizer. Funcionam ainda como verdadeiros PABX, com chamada em espera, dois e até quatro chips, para que se tenham números diferentes no mesmo aparelho.  Tudo isso sem teclas, através do visor touchscreen.


Eu uso eventualmente um Blackberry, pertencente a uma empresa para a qual presto serviços, mas que só tem utilidade real quando estou trabalhando fora do escritório e sem o notebook, o que é difícil. Caso contrário, tenho no note ou no desktop do meu escritório tudo o que preciso.  Mas ainda assim, se estou na rua a trabalho, o Black vai comigo, dentro da pasta.  Bonito, porém redundante.


E aqui é que começa o problema. Acontece que mesmo quando não estou trabalhando, preciso de um celular para me comunicar em trânsito (bonito, não?) com minha família ou com amigos, pois que isto se tornou um hábito irrevogável. 


Nos finais de semana, indo ao shopping, ao restaurante, à casa de alguém ou simplesmente passeando por aí, preciso de um celular.  Estando no supermercado, preciso de um celular para que minha mulher vá me informando tudo o que se esqueceu de colocar na lista. Em plena madrugada de domingo, preciso de um celular para que as minhas meninas me avisem que a festa está acabando e eu posso ir pegá-las dentro de umas 3 ou 4 horas.  Preciso de um celular no sábado à noite para que alguém ajude a localizar o endereço que me deu e eu não consigo encontrar.  Ou para perguntar ao casal amigo que marcou o cinema se já está chegando ou desistiu.


Mas estes são momentos em que não estou nem um pouco interessado em receber e-mails, acessar qualquer site ou receber fotos da movimentação em um stand de vendas. Portanto, não me parece sensato ficar com um Blackberry repleto de recursos, na mão, já que ele não cabe num bolso de camisa e pesa como chumbo no bolso da calça. Preciso de um celular que simplesmente faça e receba ligações. Quero apenas e somente estar acessível a um amigo que ligue e diga "está fazendo o maior sol aqui; venha tomar uma água de coco com a gente" e eu possa dizer-lhe "já estou indo".  Isso ou coisas similares, simplórias como faziam antigamente os celulares.


Mas é impossível encontrar algo assim. Um simples e antigo celular, pequeno e leve, com dez teclas numéricas, uma vermelhinha e outra verde pra atender e desligar, que caiba no bolso e se limite a funcionar como um telefone.  Um celular que não seja inteligente nem tenha convergências com a internet ou qualquer outro recurso magnífico como o Google Earth. Um celular que apenas "fala" e "escute". Nada mais que isso.


Busco nos sites, nos encartes das lojas de eletro eletrônico, nas vitrines das lojas de operadoras e nada.  Procuro nos camelôs da Av. Sete e sou olhado com uma entidade que veio de um passado remoto.  Celular de camelô toca MP3 e tem câmera com 2 megapixels, pelo menos.  


Com isto, fico sem comunicação nos finais de semana se estou na rua, pois que para mim o Blackbery transforma um sábado ou um domingo num dia de semana de trabalho como outro qualquer e deixo-o em casa.  Tem gente que gosta de twittar do seu Iphone que o camarão do restaurante está uma delícia.  E ainda inclui uma foto do prato. Mas eu sou um saudosista e poderia no máximo ligar para um amigo e convidá-lo para apreciar comigo a refeição. Se eu tivesse um simples celular