Cultura

MARKETING, PROPAGANDA ELEITORAL E A FORÇA DE LULA, POR MARCO GAVAZZA

Marco Gavazza escreve sobre publicidade e propaganda
| 30/08/2010 às 09:00
Todos os candidatos são direta ou indiretamente do "bloco" de Lula.
Foto: DIV

Domingo, 15:30h, sol firme. As praias estão vazias, a poeira levantada pela Fonte Nova já baixou e eu estou numa sala refrigerada trabalhando como muitos outros nesta campanha eleitoral absolutamente atípica. Decido surrupiar meia hora para escrever este artigo, matar a saudade do Bahia Já e dos meus poucos leitores.  É difícil tirar a cabeça da política depois de meses pensando só nisso, mas não quero me debruçar sobre o cenário baiano das eleições, pois não seria ético e muito menos, inteligente. Mas entre uma e outra tarefa, não posso deixar de pensar no cenário nacional e nos seus reflexos sobre a comunicação. 


A rigor, estamos sem presidente da república, pois que o dono da faixa, da cadeira e da caneta presidenciais está rodando pelo Brasil como cabo eleitoral de sua candidata, enquanto o vice tenta se livrar de uma paternidade lá em Minas e que a esta altura de sua vida lhe parece despropositada. Até aí, tudo bem. O Brasil já passou por coisas piores e sobrevivemos.  O que me leva a parar um pouco e conversar com vocês rapidamente é o "efeito Lula", não sobre os rumos políticos do país, pois para isso existe gente bem mais competente que eu para fazer esta complexa análise. Falo do "efeito Lula" sobre a comunicação, mais especificamente sobre o marketing e a propaganda eleitoral. 


Temos nesta campanha os blocos dos candidatos apoiados por Lula, o bloco dos candidatos que querem ser apoiados por Lula, o bloco dos candidatos que apóiam Lula, o bloco dos que se dizem apoiados por Lula e o bloco  dos que fazem de conta que Lula não existe. Mas não temos o bloco dos que são oposição à Lula.  O fato de o "cara" ter chegado aos 79% de aprovação para a sua gestão, parece ter feito com que todos desistissem de enfrentá-lo, mesmo aqueles que o estão enfrentando na prática. Assim, vamos um desfile de Lula em todos os programas, passando-nos a impressão de que só há um candidato à presidência, ao senado e ao governo dos 27 estados brasileiros: ele próprio.


Lula no programa de Serra, Lula no programa de Dilma (ou Dilma no programa de Lula) e um discurso monocórdico em que somos informados sobre a ascensão de milhões de brasileiro à classe C e mais outros tantos milhões que saíram da falta de classe capaz de defini-los como algo "abaixo da linha da pobreza". 


Nada do que aconteceu nestes oito anos de mandato e que balançou o castelo petista é apresentado nos programa de partidos oposicionistas pois todos deduziram que atacar Lula é perder votos na certa. Assim a campanha segue em frente como se estivéssemos ainda no regime das eleições indiretas. Lula indica e está acabado. A única voz dissonante relevante é a de Índio da Costa, mas como não lhe é aberto espaço no programa dos tucanos, ninguém sabe.


Ou seja, a comunicação como ferramenta para ajudar o eleitor a entende melhor as propostas de seus candidatos e os argumentos dos adversários, acabou. O horário da propaganda eleitoral gratuita, abominado por muitos, mas  inegavelmente uma tribuna democrática, perdeu sua função em 2010.


O primeiro projeto de lei sobre a propaganda gratuita, definindo regras e contendo um espectro político que permitia um amplo debate, foi do deputado carioca Adauto Lúcio Cardoso. Ele pertencia à antiga UDN e era um dos raros políticos naquele partido com preocupações para além do moralismo dúbio que caracterizou a legenda.


O projeto de Adauto, aprovado e transformado em lei, permitiu de 1962 a 1974, que a propaganda eleitoral gratuita se constituísse num exercício de debate democrático, livre, sem censura e principalmente privilegiou o debate regional. Para se avaliar a importância do projeto para o início da derrocada da ditadura, em 1974 Saturnino Braga ganhou as eleições para o Senado no antigo Estado do Rio, só com televisão e em 15 dias. Marcos Freire, eleito senador pelo Estado de Pernambuco, foi votado em todo o Nordeste pelo simples fato que aparecia na tevê em toda a Região. Ao vivo, sem maquiagem, sem marqueteiro.  Mario Covas, habilíssimo diante das câmeras, conquistou São Paulo e o Brasil. Detalhe: o projeto de Adauto garantia cinco minutos de tempo mínimo a cada partido e só a partir deste tempo é que entravam as normas para a proporcionalidade.


A propaganda aglomerada num só horário, o surgimento dos hoje chamados "marqueteiros" foi conseqüência dos limites impostos pela ditadura militar com a derrota eleitoral em 1974.  A partir daí, ela assumiu características cada vez mais agressivas e eficazes, tirando por exemplo o falecido Enéas do desconhecimento absoluto para uma votação expressiva como candidato à presidência e em seguida um recorde insuperado de votos para deputado por São Paulo.


Esse mesmo horário eleitoral gratuito asfaltou o caminho de Collor de Alagoas até Brasília, à bordo de um partido desconhecido. Também este mesmo horário impediu por algumas vezes que o próprio Lula chegasse ao poder, uma delas lidando com o mesmo problema que o José Alencar enfrenta hoje. Ou seja: a propaganda eleitoral gratuita tem -ou tinha- utilidade, por mais chata que possa ser em alguns momentos.


Em 2010 entretanto parece até que voltamos aos tempos da famigerada Lei Falcão, onde só era permitida a foto do candidato e meia dúzia de palavras. O horário da propaganda eleitoral gratuita nos mostra programas com forma, conteúdo e personagens iguais, o tempo todo. 


Como isso poderá ajudar o eleitor em sua decisão, não faço idéia. O que na verdade eu sinto -intuitivamente- é que podemos estar muito próximos do fim da propaganda eleitoral gratuita na forma como hoje ela existe; seja por total falta de eficiência, seja por absoluta ausência de necessidade.