Cultura

ZÉ BERNI E O SILÊNCIO NA PRAÇA GERALDO WALTER, POR MARCO GAVAZZA

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| 02/08/2010 às 15:02
O publicitário (foto de arquivo) José Roberto Berni (centro) faleceu no sábado último
Foto: BP

Certa vez, estávamos eu e mais três amigos conversando numa sala de uma agência de propaganda, aqui em Salvador. Num canto da sala, José Roberto Berni aparentemente alheio à conversa, digitava alguma coisa em seu note book.


Um dos amigos contava que havia desistido de seduzir uma belíssima e famosa -na época- artista local, quando depois de muita insistência, ela o  havia informado que gostava de homens capazes de fazer sexo cinco ou seis vezes, sem interrupção. Diante desta realidade, ele achou mais prudente não insistir. Quando terminou de contar a história e após as risadas que naturalmente provocou, eu comentei: "É, na nossa idade estamos mais para duas vezes sem desmaiar."


Antes que qualquer outra coisa fosse dita, ouviu-se vindo lá do canto da sala a voz de Berni que sem levantar a vista do teclado, declarava: "Duas sem desmaiar eu também estou fora". 


Assim era José Roberto Berni. Ou Zé Berni como eu o chamava. Atento a tudo que acontecia à sua volta, mesmo que aparentando um certo distanciamento e sempre surpreendendo com uma visão criativa e bem humorada das suas observações.  Não vale a pena falar de Zé Berni como profissional, pois sua carreira está gravada para sempre na história da propaganda brasileira, como um dos mais brilhantes profissionais do texto e do planejamento estratégico.  Falar dele como ser humano, é uma tarefa tão gigantesca quanto a sua capacidade de fascinar as pessoas pela inteligência, pelo fino trato e pelo excelente humor. Resta-me portanto apenas fazer este registro, como uma forma simples de registrar que tive o privilégio de ser amigo dele.


A última vez que estive com Zé Berni foi na inauguração da praça Geraldo Walter, quando ele veio de São Paulo para se emocionar com a homenagem feita pelos amigos de Geraldão, anos depois de sua morte aos 42 anos.  Berni estava feliz, orgulhoso e saudoso, tudo ao mesmo tempo.


Feliz porque finamente um grupo de amigos e admiradores conseguia realizar o velho sonho de homenagear Geraldão, urbanizando a praça que fora batizada com seu nome, em frente ao nº 64 da Rua Almirante Barroso, o endereço mais emblemático da história da propaganda baiana. Orgulhoso porque Geraldão havia sido um dos seus companheiros mais fiéis na extraordinária jornada profissional que estes dois baianos fizeram no Brasil. Saudoso, finalmente, como todos ali presentes estávamos, pois que Geraldão permanece inesquecível para qualquer um que tenha convivido com ele.


Na sexta-feira passada, recebi uma ligação de São Paulo, me informando e pedindo que informasse aos amigos de  Zé Berni na Bahia, que ele estava se despedindo desta vida. Imediatamente o enxerguei, não num leito de hospital, mas sentado na praça Geraldo Walter, com um note book debaixo do braço, o chapéu mole que costumava usar na cabeça, a risada rouca se espalhando na tarde cinzenta deste inverno de Salvador, certamente imaginando a surpresa que estava para fazer a Geraldão. Imaginei-o assim, tranqüilamente fumando seu cigarrinho orgânico e esperando passar o barco que o conduziria na travessia do grande rio.


No sábado, último dia de julho, Zé Berni seguiu seu caminho, deixando para trás a propaganda mais rica, os amigos mais tristes e uma praça ainda mais vazia.