Cultura

COMUNICAÇÃO: O FUTURO DEVIA FICAR CALADO, POR MARCO GAVAZZA

gavazza@mg3brasil.com
| 09/06/2010 às 09:19
Brasil x Espanha na final da Copa do Mundo da África. É o que dizem.
Foto: BALANCED
 

Entre todas as formas de comunicação humana, certamente a mais difícil é aquela que tentamos conseguir desde que descemos das árvores, começamos a andar sobre duas pernas e habitar confortáveis cavernas: com o desconhecido. Falar com as estrelas, com os seres da noite, com os animais, com os deuses da chuva ou do vento e até com os mortos. Em relação a esta última categoria, como foi transformada em religião, me abstenho de comentar.


Porém, creio que entre todos estes impassíveis interlocutores, ao longo de milênios, nossa insistência é infinita em relação a nos comunicarmos com o futuro. Até hoje tentamos fazer isso. Para tal, os recursos utilizados -os veículos de comunicação- ao longo deste tempo imensurável, variam de forma deliciosamente curiosa. As linhas das próprias mãos, as vísceras de lebres, a rota de vôo dos corvos, as estrelas cadentes, tudo já foi usado como recurso para conversar com o futuro e ouvir dele alguma coisa útil.


Depois vieram as runas, a cera derretida das velas, os oráculos, os leões alados esculpidos em marfim, as cartas do tarô, as folhas de chá no fundo das xícaras, as bolas de cristal, os búzios, os mapas astrais e muitos outros canais para a comunicação com o futuro. Saímos das cavernas para as cabanas, daí para as casas, voltamos para as cavernas de quarto-e-sala, porém nunca deixamos de tentar conversar com o futuro. Chegamos até a inventar os jornais apenas para que neles fossem publicados os horóscopos e as previsões a cada ano novo.


Aqui em Salvador, o paraíso da especulação sobre o futuro -especialmente em relação à vida dos outros- os mais velhos lembram da existência de uma personalidade que em meados do século passado, era respeitadíssima pela sociedade soteropolitana graças à sua alardeada intimidade com o futuro.


Descrevem-na como uma rotunda senhora, morena como os mouros e um dia bela, capaz de enxergar na sua bola de cristal o futuro de todas as figuras importantes da política, das artes, da sociedade, da imprensa, do poder e dizem até, do clero baiano. Ou ainda de qualquer um que estivesse disposto a pagar pelos seus serviços de intérprete entre o interessado e o futuro.


Morava a Madame numa transversal da Avenida Sete de Setembro e mítica como era considerada, pairava acima das calçadas e dos humanos comuns. Nada mais natural para quem detém em cima de uma mesa o futuro da cidade, do Estado, do País.   Sim, porque se ela conversasse com o futuro através da sua bola e este lhe informasse que Dorival Caymmi iria ser governador da Bahia, bastava ele se candidatar e pronto, teríamos todos aprendido a tocar violão, balançar numa rede e sentir saudades de Itapoá já no currículo escolar.


Claro que a Bahia teria crescido bem mais devagar, sem aquela agonia toda de construir shopping, avenida larga e viaduto. Seria mais ou menos como agora.


Mas, voltando à Madame Beatriz, quem a conheceu conta também que ela viveu seus longos anos de vida e conversas com o futuro de uns e de outros, adorada como uma sacerdotisa. Nas poucas vezes em que se permitia pisar o chão da Avenida Sete, as pessoas respeitosamente se afastavam para sua volumosa passagem. As crianças se encolhiam diante daquela que poderia saber se elas iriam ou não passar de ano. Os comerciantes se apressavam em ir até à porta de suas lojas, entre as Mercês e o Relógio de São Pedro, para cumprimentá-la, pois nunca se sabe pra onde podem ir os negócios. Foram para o Iguatemi. Talvez o futuro já lhe tivesse dito isso, por solicitação de um pernambucano chamado Newton Rique que andava por aqui querendo descobrir o que fazer com o seu dinheiro. 


A memória coletiva popular -ou o seu imaginário- registra também que ACM, ainda jovem, certa  vez consultou Madame Beatriz ouvindo dela que o futuro mandava dizer-lhe que em breve seria o homem mais poderoso do País. ACM imediatamente abandonou a sua turma e a Escola de Medicina candidatando-se logo a vereador. O depois disso a gente já sabe. A história não deixou herdeiros do porte artesanal de Madame Beatriz, nem genealógicos nem de profissão.


Chegamos ao final do século 20, atravessamos o portal para o 21 sem que as informações obtidas por Nostradamus em suas conversa com o futuro sobre 1999 se confirmassem. Também, segundo quem estudou a vida do francês que travava longos diálogos com o futuro, ele o fazia através de uma bacia d'água, o que convenhamos, é algo muito pouco sólido.  Mas já começamos o novo século com a notícia de que os maias, muito tempo atrás, também conversaram com o futuro sobre a vida de Deus e o mundo e este -o futuro- informou até a data em que ele -novamente o futuro- deixaria de existir e ser incomodado: 21 de dezembro de 2012. Ou 21.12.12. Ou mais místico ainda para os americanos, 12.21.12.  Resta-nos esperar.


A modernidade não extinguiu os intérpretes do futuro, pelo contrário ampliou-lhes a possibilidade, deslocando o eixo da tecnologia premonitória para os megabites e combinações binárias capazes de conversar com qualquer coisa. Hoje os oráculos estão mais para o guruweb, tarô on line, os mapas astrais computadorizados, os softwares de fluxo energético, os que prevêem o resultado da mega sena e outros atalhos misteriosos que só os insondáveis especialistas em TI aparentam reconhecer no desktop da vida. 


Depois de tudo isso, mesmo sem ter muito interesse em futebol, mas diante de mais uma inevitável Copa do Mundo, ao tentar me informar um pouco sobre o evento, fiquei sabendo que a final do campeonato mundial será entre Brasil e Espanha, sendo que o time de Dunga (viram como já sei até o nome do técnico?) será derrotado por 3 a 1.


Isto foi dito pelo futuro, pessoalmente, a algum iluminado desenvolvedor de softwares e que através de um deles conseguiu obter a informação.  Com isto o mundo pode economizar uma fortuna, pois não é mais necessário realizar a Copa para saber qual a melhor seleção.


Não sei quem é mais chato, se esse pessoal que insiste em conversar com o futuro ou se ele próprio, que só pra se fazer de importante, de vez em quando passa informações a estes iluminados. Ainda bem que para tranqüilidade nossa, elas nunca são verdadeiras. Também mais ou menos como agora.