Cultura

VOCÊ SABE DE ALGUMA BOA NOTÍCIA? NÃO ESPALHE, POR MARCO GAVAZZA.

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| 26/05/2010 às 00:22
A cultura da comunicação privilegia as notícias que são desagradáveis
Foto: VEMOSOQUESOMOS
 

Lembrei -não sei por que- de uma velha piada contada por Jô Soares no seu show Todos Amam Um Homem Gordo, no Teatro da Lagoa, no Rio de Janeiro.  A piada contada por qualquer um é boba, mas encenada pelo Jô fazia a platéia rir até cair das poltronas. 


É a história de um pai que foi chamado à escola do filho pelo diretor. Lá chegando o diretor do colégio vai direto ao assunto: "Tenho duas notícias sobre seu filho. Uma boa e a outra ruim. Quer ouvir qual primeiro?" O pai, já apreensivo, responde: "A ruim". Sem hesitar o diretor dispara: "Seu filho é bicha".  O pai entra em desespero.


Neste ponto, Jô Soares simulava inúmeras situações das mais engraçadas que o pai da bicha poderia enfrentar, esticando a piada por uns 15 minutos.  Após isso e já mais calmo, o pai lembra de perguntar ao diretor qual é a boa notícia. Resposta: "Ela foi eleita Rainha da Primavera".


Não reproduzi aqui a piada esperando que alguém risse, mas sim porque, imediatamente após lembrar-me dela, ocorreu-me uma pergunta: há quanto tempo não ouço uma boa notícia pelos veículos de comunicação? 


Pior: quando eventualmente surge uma, tipo a descoberta das reservas de petróleo na camada pré-sal, no dia seguinte chegam as informações de que a grana só começará a aparecer dentro de vinte anos, que os governadores de todos os estados brasileiros já estão brigando pra saber quem fica com a maior parte,  que o Congresso vai entrar com projeto de lei regulando os royalties, que já tem gente protestando porque vai receber pouco e tantas outras reações típicas da atual realidade macunaímica configurando más notícias, que a gente prefere esquecer a boa, o mais rápido possível.  Reportagens sobre inaugurações de hospitais são imediatamente seguidas pela notícia de pessoas que morreram naquele novo hospital por falta de atendimento.


Rádio, televisão, jornais, internet, pode vasculhar tudo e dificilmente você encontrará uma boa notícia. Algo que venha concretamente melhorar a sua, a minha, a nossa vida. É evidente que o fato de você ter sido promovido, sua empresa ter crescido no último ano ou você ter ganhado do seu avô uma passagem para Paris não vai aparecer no Jornal Nacional. Mas fico com uma dúvida martelando a minha cabeça: será que os meios de comunicação só encontram más notícias para nos passar ou especializaram-se nisso?


Os Datenas, os Balanços Gerais, os Na Mira e dezenas de outros similares pelo Brasil afora são exemplos mais eloqüentes, porém esta pauta invade todos os veículos de comunicação de massa. Revistas especializadas em demonizar pessoas a cada semana, jornais em que a primeira página está sempre reservada para sangue ou desmoronamentos, rádios que praticamente transmitem na mesma freqüência da polícia e assim por diante. 


A reportagem sobre a má notícia parece ter substituído a denúncia a respeito do que provocou o fato. A matéria sobre o caminhão que capotou não irá mostrar a má conservação da estrada, a falta sinalização, a imprudência ou a falta de manutenção do veículo. Irá mostrar o motorista esmagado sob a cabine, o sangue escorrendo no asfalto e aquela pequena e mórbida multidão em volta, como se isso resolvesse alguma coisa.


A má notícia transformou-se numa epidemia e toda a comunicação se apressa a chegar antes e repassá-la primeiro para a população.  Ela já chegou inclusive ao Twitter, o primeiro instrumento de relacionamento social na internet que não caiu no domínio dos adolescentes e que é usado com intensidade inclusive por políticos, artistas e outras celebridades.  No microblog a gente encontra dezenas de "twitteiros" especializados em postar más notícias. Alguns vão buscá-las nos confins do mundo para passar a informação e fornecer o link, permitindo que todos possam ver fotos ou vídeos da merda que aconteceu em algum vilarejo perdido no Azerbaijão ou próximo à faixa de Gaza. 


Fora da categoria má notícia, a comunicação apresenta em segundo lugar o mundo bizarro.  O bebê que nasceu com seis braços, o homem que há 30 anos não sai do quarto porque pesa 400 quilos, a mulher que passou dois anos com um feto morto na barriga sem perceber, o indiano que há 70 anos não come nem bebe nada e é mais saudável que eu e você juntos.


Finalmente e empatada com a categoria bizarrice, vem o noticiário sobre a vida dos famosos inferiores, pois que os famosos superiores não deixam que um repórter se aproxime dele num raio de alguns quilômetros.  Nesta categoria você pode ficar sabendo com quem Luana Piovani está namorando esta semana, qual a marca de calcinha que a Mulher Jaca (existe? deve existir)  não usa ou porque Dado Dolabella foi preso desta vez.


E a boa notícia? Desapareceu de vez ou perdeu completamente a serventia num mundo contemporâneo que além de fazer com que as tragédias gregas pareçam uma novela global -das seis- trouxe a dor para o cotidiano?  Não tenho certeza.  Gostaria de ser um sociólogo com capacidade para analisar esta questão, mas sou um mero publicitário e observador do comportamento sem direito a conclusões exatas.  Como profissional, percebo que é um risco programar um anúncio ou um comercial para veículos informativos de comunicação e entendo a percepção intuitiva dos anunciantes ao preferirem anunciar nos chamados veículos "no media". Outdoors, busdoors, determinado sites na internet, material promocional etc. Porque colocar o seu produto no meio de um festival de tragédias?


Como cidadão e ser humano, desconfio de que ainda existam boas notícias, mesmo que não interessem mais aos veículos noticiosos.  Ontem mesmo ouvi numa rádio uma ouvinte ligar para informar que o pedido de uma cadeira de rodas para sua mãe, que ela fizera no ar uma semana atrás, havia sido atendido no mesmo dia, por uma pessoa que comprou a cadeira, foi até a casa dela entregar e pediu para não ser identificada.  Isto só virou notícia porque a ouvinte ligou e deu a informação.  Esta notícia melhorou a minha vida? Claro. Saber que ainda existem pessoas dispostas a ajudar os mais necessitados nos faz acreditar mais na vida.  Mesmo que isso contrarie as metas de vendas da maioria dos veículos de comunicação de massa deste país onde ainda conseguem afirmar ter nascido Deus.