Cultura

O FRANGO FALOU O QUE? A PERCEPÇÃO DE CADA QUAL, POR MARCO GAVAZZA

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| 19/05/2010 às 12:03
O frango e a camisa de força: protesto da CUT no Centro de Porto Alegre
Foto: DS
 A comunicação é realmente uma coisa fascinante, seja como prática ou como tema de observação. Quantas interpretações absolutamente "autênticas e sinceras" não surgem diante de um fato? Incontáveis, embora o fato seja único. A forma como ele é interpretado entretanto varia de acordo com as também infinitas variáveis que se constituem na personalidade da cada um de nós.

Por isso entre o fato e a versão, Nelson Rodrigues aconselhava ficar-se com a versão, desde que ela fosse mais interessante. Todas estas considerações surgiram porque lembrei de um texto antigo que recebi por e-mail (sim, já se pode dizer que recebeu coisas por e-mail há muito tempo atrás) e que a partir de um fato estabelecido, desenvolvia inúmeras versões atribuídas a pessoas famosas, vivas ou mortas.

Tentei encontrar este texto e reproduzi-los para vocês, porém não achei. Assim vou apelar para a memória e para o ajuste aos tempos atuais, para que vocês percebam como pode ir longe uma versão de fato corriqueiro. Lembro com precisão que no texto antigo apresentava-se o fato de um frango ter atravessado uma estrada, como ponto de partida.

Daí, vinham as explicações, interpretações ou apenas reações a respeito deste fato. Vamos ver como ficam alguns exemplos que ainda lembro e outros que vou desenvolver agora. Você certamente fará o mesmo com outros personagens que v. conhece ou prefere. Vamos lá.

Um fazendeiro: Quem foi o " infiliz" qui deixô galinhero aberto?

Marina Silva: A transversalidade permite que o frango cruze democraticamente a estrada, com a responsabilidade ambiental e a consciência de que do outro lado está o povo da mata. Não sou ecocapitalista.

José Serra: Cruzou a estrada porque ela estava em perfeitas condições de conservação. Fiz palestra sobre isso ontem no auditório do UFB-Universidade dos Frangos Brasileiros. Vejam minha fala completa em httt://www.frangostrada.com.br

Dilma: Eu acho que a galinha, não, desculpem, o peru, o que? Ah, sim o frango. Bem ele deve ter atravessado a estrada porque o companheiro Lula falou pra ele que em 2010 o lado melhor é o de lá. Ou ele atravessou de lá pra cá?

FHC: Este frango em total liberdade para ir e vir é uma prova de que com o Plano Real, até hoje os benefícios existem e estão sendo atribuídos a outros.

Lula: Eu não quero saber porque o companheiro frango atravessou a estrada. O que eu sei é que nunca antes na história desse país, o povo comeu tanto frango e teve tanta estrada.

Maluf: Não tenho nada com isso. E desafio qualquer frango a provar que aquela estrada foi superfaturada.

Aristóteles: É parte da natureza dos frangos cruzar a estrada.

Freud: Sua inquietação com isso mostra que v. se identifica com o frango e a estrada é a barreira sexual que v. não consegue atravessar enquanto o frango o fez.

Gilberto Gil: É, essa coisa do frango que atravessa algo, tem muito a ver com a Bahia, com essa preguiça sensual da morenidade atrás do frango, uma espécie de anterioridade que se firmou na estrada, na vida pós-moderna, nestas lendas urbanas.

Paulo Souto: Quando eu andava com meu pai lá por Caitité, era comum frango cruzar estrada, principalmente as estradas que eu construí. Mas hoje está tudo abandonado, nem sei como esse frango conseguiu atravessar a estrada.

Geddel: Em nenhum lugar do país frango atravessa estrada desse jeito. Só mesmo aqui na Bahia isso acontece. Mas eu e o meu partido já temos um projeto para resolver esse problema que é sério, pois um frango destes pode causar um acidente grave e a situação da saúde na Bahia, vocês sabem, é complicada.

Wagner: Bem, num governo republicano um frango, dois frangos, podem atravessar a estrada porque... Ô Ruy, esse pessoal aqui quer saber porque o frango atravessou não sei aonde, atende eles aí.

João Henrique: Ele cruzou a estrada porque não tinha uma passarela no local. O projeto existe, mas está impedido pelo Ministério Público. Não posso fazer nada, sniff, que eles logo, sniff botam o Ministério, buuuáááááááa...

Waldyr Pires: Esse frango é um simbolismo da mais alta relevância. O frango atravessar a estrada faz parte de uma luta antiga pelos direitos que o Dr Ulysses já defendia e que até pouco só era permitido aos frangos de elite, os frangos apadrinhados pelo poder. É uma beleza ver o frango poder atravessar a estrada sem ter que pedir licença a ACM.

ACM: Quem mandou este **** deste frango atravessar a ***** da minha estrada?

Maquiavel: O frango cruzou a estrada. Acabou aí. Se ele atingiu seu objetivo, é irrelevante discutir os meios e as razões do seu ato. O que importa é o objetivo.

Um caminhoneiro: Era um frango?

Bete Wagner: Para humilhar alguma franga que queria cruzar a estrada e foi impedida pelo machismo, pelas barreiras masculinas que não acham as frangas habilitadas a cruzar a estrada.

Malu Fontes: Um frango desdentado e surtado pela perseguição mórbida do camera de TV quase vira um cadáver. E essa ***** de editoria ainda quer entrevista com o frango.
Um funcionário público: Olha quem sabe explicar isso está de férias. O senhor preenche aquele formulário, retira o DAM, paga a taxa no Banco do Brasil, traz 5 cópias autenticada, comprovante de residência e aguarde a resposta pelo correio.

Ernest Hemingway: To die. Alone. In the rain.

E assim segue o frango seu caminho, enquanto cada um de nós tem uma teoria, uma versão, uma interpretação. As vezes a troca destas informações leva um grupo a se unir em torno de uma das idéias, mas na maioria das vezes, cada explicação para o fato do frango ter atravessado a estrada gera novas e ainda mais confusas hipóteses.

Comunicação é se entender no meio de tudo isso.