Cultura

MAS VOCÊ DISSE ISSO? COMUNICAÇÃO INTERPESSOAL É FOGO! P/ MARCO GAVAZZA

VIDE
| 07/04/2010 às 08:17
Mesmo para os que falam uma mesma língua é tarefa difícil entender significados
Foto: ILS
  Como havia agendado com vocês semana passada, vamos refletir um pouco sobre a comunicação humana interpessoal, algo tão ou mais complexo quanto a comunicação de massa. Para isso eu havia selecionado um tema e uma frase de Ovídio que por sinal era romano e não grego, como me foi alertado por um dos raros leitores desta coluna, ao qual agradeço a atenção.

  Publius Ovidius Naso realmente nasceu em Roma, porém estudou em Atenas pois seu pai queria vê-lo como um tribuno, um advogado, mas Ovídio enveredou pela poesia e voltou a Roma dedicando-se aos versos sobre erotismo e amor. Com 28 anos foi condenado ao exílio pelo imperador Augusto, desconfiado de que a imperatriz estava levando longe demais o gosto pela poesia. Ovídio refugiou-se numa pequena aldeia à margem do Mar Negro. Lá escreveu suas principais obras, inclusive um estudo inacabado sobre o amor em Medeia, de Eurípedes, clássico da mitologia grega. Ovídio morreu em Tomis, atual Constanta, na Romênia. É considerado até hoje o primeiro poeta, romeno.

  Grega, romana, romena e em baianês mesmo, a frase é perfeita: "Comunicação não é o que você diz, é o que o outro entende". Poderia dar dezenas de exemplos perfeitos para a compreensão dos efeitos desta frase do greco-romano-romeno Ovídio no nosso dia a dia. Escolho dois ou três para caber neste espaço.

  Um amigo meu na juventude tinha como uma das suas tarefas semanais, conduzir a família nas sextas-feiras até um sítio onde passavam o fim de semana. Só quem dirigia era ele, embora houvesse quatro carros na garagem. Certa vez ao ser bruscamente fechado na estrada, ele pôs a cabeça pra fora da janela e berrou "ilha das frutas". Com o pai, a mãe e a irmã dentro do carro, ele não podia gritar o que queria, mas com certeza o motorista do outro carro ouviu o que ele realmente quis dizer. A mãe ainda perguntou inocentemente "Onde é a ilha das frutas, Arturzinho?". Ninguém respondeu.

  Outro exemplo -este clássico- é a dificuldade que encontra quem é fluente em línguas estrangeiras, para entender o que é falado ao telefone -hoje um pouco menos- e por crianças. Distorções de volume e ondas sonoras, palavras ditas pela metade, são capazes de transformar o som e o significado das frases.

  Como último exemplo, cito uma observação que fiz durante os quatro anos que morei em Praia do Forte, a respeito de uma linguagem comum aos nativos e que incluía erros gramaticais ou de uso de expressões também comuns a todos. Quando alguém discordava de algo que lhe era exigido, como meu amigo Mendes, garçom do restaurante de Zequinha, ao ser comunicado que deveria limpar e arrumar a casa após o último cliente, ele ao se queixar dizia que aquilo não estava "nos seus direitos". Achei que eles confundiam direitos e deveres até descobrir que na verdade eles queriam dizer que aquilo "não estava direito", ou seja, não era correto. A exigência fugia ao que eles julgavam ser uma coisa direita, certa. Entre eles, ninguém estranhava a expressão, mas para os não-nativos como eu, era esquisito. Para um estrangeiro, uma incógnita.

  Assim, a comunicação humana, mesmo entre os que falam a mesma língua, é uma tarefa cotidiana repleta de armadilhas, ruídos e erros de interpretação.

  Uma vírgula fora do lugar e uma frase inteira troca de sentido. Quer ver? "Se o homem soubesse o valor que tem, a mulher caía de joelhos a seus pés". Mude a vírgula e fica assim: "Se o homem soubesse o valor que tem a mulher, caía de joelhos a seus pés." O que já passa a ser uma outra história.

  A comunicação humana pode resolver um problema ou criar algum onde ainda não existe. O jornal A Tarde informa que certo político baiano foi quem mais beneficiou municípios com prefeitos do seu partido. A intenção está clara: acusar. Se tivesse noticiado que foi quem mais beneficiou municípios na Bahia, a intenção seria outra: elogiar. Mas aí já estamos falando de mídia de massa o que envolve interesses além da simples compreensão ou da nossa compreensão.

  Já o tema pré-escolhido semana passada para exemplificar a dificuldade da comunicação humana era a crença existente entre as mulheres de que os homens são capazes de adivinhar pensamentos. Mais exatamente, os seus pensamentos. Ouço isso de quase todos os meus amigos. Histórias de caras fechadas, lágrimas contidas e muxoxos femininos porque elas queriam ir ao cinema e o companheiro "nem pensou nisso" indo direto para um restaurante. São dramas cotidianos, desde os mais simples, como este, até os mais complexos. Ninguém sabe em que poderá resultar o fato de uma mulher estar com desejo de transar e o mísero homem que lhe faz companhia "nem imaginar isso" dedicando a noite a ver mais um espetáculo do seu time de futebol. Castração moral com semanas de rejeição é o mínimo que pode acontecer.

  Porque será que as mulheres acham que homens lêem seus pensamentos, ou melhor, suas vontades pensadas? Sim, porque se achassem que podemos ler qualquer um ou todos os seus pensamentos já teriam tomado uma providência para tornar isso tributável, impossível ou crime inafiançável.

  Creio que a maternidade lhes dê esta sensação. Sendo obrigadas a adivinhar o que os filhos ainda bebês "querem" quando choram, grunhem, gritam e emitem ruídos incompreensíveis, elas acabam por realmente adquirir a capacidade de interpretar o desejo de nenéns e a partir disso, sabe-se lá por que estranhos artifícios do inconsciente esperam que os bebês masculinos quando adultos lhes devolvam a gentileza. Sem falar no tal 6º sentido que elas dizem possuir e acham um absurdo que nós só tenhamos cinco, quando muito.

  O certo é nós homens não lemos pensamentos de ninguém, muitos menos os complexos desejos femininos. Na verdade, na maioria das vezes não somos capazes de ter muita certeza nem daquilo que nós mesmos pensamos. Agimos por instinto muito mais que por avaliação e estratégia.

  Entendemos coisas como "estou com vontade de ir ao shopping" com facilidade. Algo como "vamos deitar?" podemos entender com uma facilidade ainda maior. Assim, para que a comunicação humana interpessoal feminino-masculina possa ficar menos sujeita aos equívocos do cotidiano, as mulheres bem que poderiam começar a usar as palavras para facilitar. Claro que ainda assim estaríamos sujeitos a todos os equívocos que possam existir, como vimos lá por cima. Mas já seria um considerável avanço. O que será que elas acham disso? Adivinhe.