Cultura

O PUBLICITÁRIO VAI ÀS COMPRAS E PERDE A PACIÊNCIA, POR MARCO GAVAZZA

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| 17/03/2010 às 08:28
Nem sempre somente o bom preço induz a venda para determinados consumidores
Foto: DIV
  Há vários meses escrevi para este espaço uma matéria em que comentava a estratégia utilizada pelo Ricardo (pessoa física) para sentir o mercado local antes de trazer a Ricardo (pessoa jurídica) para Salvador. A viagem sozinho até nossa cidade, os conselhos do motorista de táxi, a conversa com Varela etc. Logo em seguida, escrevi outra matéria, desta vez para comentar que antes desta inusitada visita do Ricardo, a Pro Brasil sua agência de propaganda, já havia desembarcado por aqui e feito o reconhecimento científico do terreno. Pesquisas, abordagens, análise da concorrência, potencial de consumo, pontos de vendas, perfil do consumidor etc.

Solidamente amparada por estas duas estratégias, finalmente a Ricardo Eletro implantou-se em Salvador e o que se seguiu todos nós pudemos observar. Uma rápida fixação de marca, uma igualmente rápida ocupação de pontos comerciais bem posicionados, presença muito forte na mídia e comunicação agressiva com foco essencialmente no item preço. Certamente tendo pesquisas por base para a escolha deste posicionamento, a Ricardo Eletro estava convencida de que para o consumidor de seus produtos, o que importa é principalmente o preço. Com segurança, a comunicação da Ricardo Eletro desafiava quem tivesse preço menor que o seu e afirmava cobrir a diferença caso alguém encontrasse um louco que ousasse vender por menos. Claro que a concorrência não cruzou os braços para observar a Ricardo engolir o mercado nem correu em peso para amarrar fitinhas do Senhor do Bonfim nos pulsos. Respondeu no mesmo tom.

A partir daí ficamos sabendo que Ricardo derruba, esmaga, estraçalha, destrói, esfacela, tritura e o que mais for necessário com seus preços para manter o posicionamento e seguir brigando pela liderança de mercado. Pois bem.

Neste fim de semana, resolvi comprar uma lavadora de roupas e um aparelho celular Nokia desbloqueado, este último anunciado em encartes de jornal pela Ricardo Eletro. Pensando em facilitar as coisas e também evitar o estresse das ruas, fui ao Salvador Shopping. Primeira parada -claro- Ricardo Eletro.

Andando entre fileiras de lavadoras, sem que qualquer funcionário da loja se apresentasse para nós ajudar, eu e minha mulher nos sentimos completamente incapazes de distinguir as sutis diferenças entre capacidade em quilos, duplo enxágüe, centrifugação e outros detalhes que justificasse vantagens e diferenças de preços. O tempo passava e ninguém aparecia sequer para perguntar que diabos fazíamos alí. Notando que ao lado havia um rapaz arrumando caixas numa prateleira, perguntei se ele poderia ajudar. Com gestos e ruídos ele informou que era mudo.

Decidimos ir procurar lavadoras em outro lugar, mas antes quis dar uma olhada no tal Nokia desbloqueado. No balcão de celulares, depois de muito insistir com a atendente, ela nos informou que trabalhava para uma operadora e que nós devíamos falar com alguém da loja. Tentamos em outro balcão e uma funcionária nos apontou o balcão do qual havíamos saído. Explicamos qual era o intrincado problema a ser resolvido -comprar um produto anunciado pela loja- e ela então com a boa vontade e disposição de quem se encaminha para a guilhotina, foi até o computador consultar se o que dizíamos era verdade. Ela desconhecia a promoção.

O computador, mesmo sendo funcionário da loja, também não tinha qualquer informação sobre o produto estar em promoção. Lá se foi então a condenada funcionária em busca de um exemplar impresso do encarte para ver se era real mesmo aquilo que afirmávamos. Finalmente de posse da informação confirmada, ela admitiu que o Nokia desbloqueado estivesse em promoção. Perguntei então se -finalmente- poderia ver um deles, na cor preta. "Só tem dessa cor aqui" respondeu ela apontando a foto no encarte. Resumindo a história: o celular não foi comprado e a lavadora foi adquirida nas Casas Bahia.

Não tenho dados nem razões para discordar da estratégia de marketing da Ricardo Eletro e na verdade realmente creio que o preço seja o fator principal de decisão de compra para este tipo de produto, na maioria das situações. Mas, aí é que entram as sutilizas das variantes mercadológicas que podem derrubar uma venda. Na maioria não significa em todas as situações.

Quem se dispõe a conscientemente pagar mais caro por um sanduíche, uma calça, um DVD, um capuccino ou seja lá o que for, num shopping como o Salvador, o faz porque anexado ao produto está um ambiente bonito, confortável, seguro e diversificado. O faz porque entende valer algum acréscimo ao preço do produto, o fato de se deslocar num temperatura civilizada, dispor de escadas e rampas que fazem por ele o trabalho de descer e subir e o faz principalmente por que gosta de ser bem atendido. Para este público, o preço não é o único fator decisivo de uma compra. O atendimento pode definir até uma compra que não estava planejada, em função da gentileza, da atenção, do conhecimento de soluções e alternativas ideais para o que precisamos e da capacidade de convencer pela simpatia.

Para a Ricardo Eletro, entretanto, tudo indica que o foco no preço está configurado como sendo o único fator decisivo de compra, em qualquer lugar ou situação, o que está longe de ser uma estratégia eficaz. Ocupando espaços mercadológicos em setores diferenciados da cidade, deveria ser fácil perceber que os hábitos do consumidor e de compra variam de lugar para lugar, mesmo que em sua maioria o preço siga prevalecendo.

Em determinados pontos de vendas, como o cenário desta história que estou terminando de contar, outros fatores influenciam ou prevalecem na hora final, naquele momento em que o consumidor entra na loja e a partir dali a comunicação publicitária dá por encerrado o seu trabalho. O próprio perfil do consumidor pode indicar outras abordagens para o fechamento da venda. O tratamento dado a um rapaz de 20 e poucos anos difere daquele que deve ser dado a uma senhora de 70 anos ou a um casal.

Parece que aos funcionários da Ricardo Eletro isto não foi explicado e eles acreditam que apenas anunciando o menor preço, os consumidores entrarão desesperados em suas lojas, suplicarão para serem atendidos e levarão nas costas, saltitantes e felizes, o produto barato. Não é bem assim ou ao menos não é sempre assim. Comigo não funcionou. A única coisa que a Ricardo Eletro do Salvador Shopping conseguiu derrubar foi a minha paciência.