Cultura

ALGUÉM VAI DIZER QUE NÃO GOSTOU?, POR MARCO GAVAZZA

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| 10/03/2010 às 09:19
Atenção: Auto-estima não significa mudança de imagem
Foto: DIV
Tive um Diretor de Criação numa agência em São Paulo, que diante de um trabalho que lhe era apresentado por uma dupla qualquer de criação para sua avaliação, assumia uma atitude angustiante. Ele pregava os olhos no trabalho e em silêncio ficava por longos minutos. Lia, relia, olha de todos os ângulos, sempre em silêncio.

Depois de uma verdadeira eternidade, insuportável para os pobres coitados que aguardavam uma opinião, ele olhava para ambos sem qualquer expressão no rosto e perguntava: "isto é o melhor que vocês podem fazer?".

Hoje imagino que o raciocínio dele era que sua pergunta funcionaria como uma provocação para obter um resultado ainda melhor que o apresentado. Mas ele estava errado. Sua pergunta -e ele sabia disso- era um beco sem saída. Responder sim significava dizer este é o limite da nossa capacidade. Responder não equivalia a admitir que não havíamos nos esforçado o suficiente. A única saída era pegar o trabalho de volta de cima da sua mesa, dizer qualquer coisa semelhante a vamos rever isso e sair da sala. Retomar aquele trabalho e fazer algo diferente -pouco importando mais se melhor ou pior- era um esforço extraordinário.

Ele, publicitário famoso, dono de um ego monumental, esquecia que todos nós, em maior ou menor escala, nos sentimos atingidos pelo julgamento que outras pessoas fazem a nosso respeito, a respeito de nossos valores e principalmente de nosso trabalho. Acredito que essa é uma questão comum a todos nós.

Psicólogos, psicanalistas e outros estudiosos da mente humana afirmam que o medo de ser julgado influencia a nossa vida em todos os aspectos. Desde os relacionamentos até a profissão, passando pelo modo de vestir, falar, dirigir, sentar à mesa, agir, fazer amizades. Podemos criar mecanismos de defesa dos mais intrincados, mas a flecha disparada contra nós e sua ferida ficam lá, em algum lugar, esperando a hora da manifestar a dor.

Ainda assim, ser julgado diretamente por uma ou duas pessoas é uma coisa. Ser julgado indiretamente por centenas ou milhares, é diferente. Exatamente agora eu posso estar pensando: Tudo isso que estou escrevendo irá interessar a alguém? Quem gostará? Quantos irão achar que é um monte de asneiras? Mas de alguma forma estou preparado para ouvir achei uma merda.

Quando nos expomos publicamente, temos que ter consciência de que julgamentos negativos inevitavelmente virão já que unanimidade não existe. Temos que estar preparados para ouvir comentários até ofensivos, sem permitir que isto afete a nossa auto-estima e a nossa capacidade de produzir. Pelo menos enquanto as críticas demolidoras não se tornarem a imensa maioria.

Já o julgamento cara a cara é diferente. Este exige uma preparação por parte de quem julga e não de quem é julgado. Quando um pai ou uma mãe repetem sucessivamente ao filho que tem dificuldade de aprendizado Você é burro! estão reduzindo ainda mais a capacidade do menino em aprender e formando um adulto completamente inseguro.

Em ambos os casos -seja no cara a cara seja na ressonância da exposição pública- a única coisa que temos certeza, é que nunca vamos ter certeza a respeito da honestidade da opinião dos outros a nosso respeito. Poderíamos então relaxar e deixar cada qual pensar o que bem entender, mas isso nem sempre é possível.

No caso do Diretor de Criação, que detém o poder sobre nosso emprego, não é possível. No caso da criança humilhada não é possível, pois lhe falta maturidade e segurança para isso. No caso do político que pretende vencer uma eleição -e aí finalmente tocamos no assunto que hoje trago à exposição- não é possível por razões óbvias.

Em todos estes exemplos e muitos outros possíveis, caímos na areia movediça de ficar preocupados querendo adivinhar o pensamento alheio. Queremos ou precisamos pelas circunstâncias, ter uma imagem positiva. Como não é possível adivinhar nem transformar pensamentos alheios, algumas pessoas precisam entrar no jogo de provar isso a todo custo, de confrontar, de falar mal para se defender. Isto, aplicado a uma campanha eleitoral, normalmente traz mais confusão e muitas vezes tem efeitos negativos.

Como o julgamento daquilo que um político está dizendo raramente retorna até ele de forma direta, além de ser o julgamento de milhões de pessoas, muitos podem seguir acreditando que estão sendo bem sucedidos em sua luta para polir a imagem jogando lama na imagem do outro. Se o outro for inseguro, será atingido e poderá deixar evidente que sentiu o golpe. Caso isso não aconteça, a opinião da grande massa a quem foi dirigida a mensagem sobre o adversário, continuará sendo uma incógnita até o final da campanha.

Nas campanhas eleitorais em que a característica principal é chutar abaixo da linha da cintura, aquele que tiver uma baixa auto-estima registrará os golpes e poderá repassar ao inconsciente coletivo a mensagem o que disseram de mim é verdade. Quem tem auto-estima alta, ri da acusação e o povo ri junto com ele. Maluf é um mestre nesta técnica.

Por causa de baixa auto-estima Lula perdeu três eleições. A elevada auto-estima de Collor e em seguida de Fernando Henrique, deixaram o julgamento inteiramente nas mãos da massa de eleitores, sem dar qualquer sinal de terem sido tocados pela lama. Quando Lula elevou seu nível de auto-estima, ganhou. Hoje, tão elevada ela está que ele é imbatível. Este fator é pouco considerado pelos marketeiros, porém é decisivo para traçar uma estratégia de comunicação.

Estamos com uma campanha eleitoral já iniciada, tanto para a presidência da república quanto para o governo da Bahia, que nos interessa diretamente. Caso elas se desenvolvam em nível elevado, com propostas e críticas pertinentes, o resultado somente as urnas dirão. Se evoluírem para a pancadaria explícita, saberemos antes quem será o vencedor. Basta apenas observar quem se deixa abater a cada golpe do adversário. E podem ter certeza: o eleitor também observa isso. E vota no outro.