Cultura

A MULHER, A ARTE E A VALORIZAÇÃO DE SEUS TRABALHOS, POR LIGIA AGUIAR

Lígia Aguiar é artista plástica e radialista – comentarista de Artes Visuais no Programa Multicultura da Rádio Educadora da Bahia, às quartas-feiras. Colunista deste site.

| 08/03/2010 às 12:16
Obra de Beatriz Milhazes
Foto: DIV

A comemoração em torno da mulher, pelo dia a ela dedicado, nos leva a refletir, que ainda hoje, se constata a falta de registro nos livros de História das Artes das artistas mulheres no mundo. Isso é cultural. É histórico.


Através dos séculos, elas viveram em sociedades patriarcais onde não lhes eram atribuídos nenhum valor. Aos homens, sim, eles sempre tiveram o maior destaque, os maiores talentos e merecedores de elogios.


Quando estudamos as várias fases da arte, quase não encontramos citações de artistas mulheres. São raros os autores que valorizavam o talento feminino.


Quantos tiveram conhecimento de artistas como as renascentistas Sofonisba Anguissola,(1532-1625) e Artemísia Gentileschi, (1593-1653), o primeiro grande nome da pintura feminina? Das Impressionistas Mary Cassat (1845-1926), Berthe Morisot (1841-1895) e Suzane Valadon (1865-1938)? Das brasileiras reveladas na época imperial, Abigail de Andrade, Julieta de França e Georgina Albuquerque?


Não podemos deixar de citar as mulheres que tiveram seus nomes vinculados aos de artistas famosos, como Camille Claudel (1864-1943) e Auguste Rodin (1840-1917), Frida Khalo (1907-1986) e Diego Rivera (1886-1957). Ligações conflituosas regadas a escândalos, essas mulheres só tiveram seus reconhecimentos tardiamente.

Estes exemplos ratificam o papel secundário imposto pelos padrões de moral vigente. Eram coadjuvantes, quando, na verdade, seus talentos apontavam-nas protagonistas.

Já na época moderna é que estes nomes vieram à tona. Avalio que ainda hoje existam muitos nomes adormecidos através da história.


No entanto, no decurso de cinco séculos de arte, os artistas consagrados tinham como tema preferido a mulher. Aí sim, elas podiam posar para retratos feitos por pintores contratados pela família, seguindo um padrão da época, muitas vezes imitando os hábitos da família real.


Uma tese de doutorado defendida por Ana Paula Simioni/USP aborda muito bem este assunto no período compreendido entre 1884 e1922, no Rio de Janeiro.

Tal qual a história de Camille Claudel, outras semelhantes aconteceram no Brasil. Alguns nomes surgiram após uma intensa pesquisa feita nos dicionários artísticos brasileiros e em catálogos e documentos da Academia Imperial de Belas-Artes, que, com o advento da República, transformou-se em Escola Nacional de Belas-Artes.


"Minha curiosidade sobre o assunto foi decorrente da observação de que, a despeito de os dois maiores nomes das artes plásticas do Modernismo ser femininos (Tarsila do Amaral e Anita Malfatti), não se ouve falar de pintoras mulheres anteriores a elas", explica Ana Paula. "Comecei a indagar se essas modernistas teriam vindo do nada", continua.


A pesquisadora constatou que "muitas mulheres foram excluídas dos registros históricos (os dicionários). Daí, possivelmente, pouco ou nada ter se ouvido de outros nomes femininos antes de Tarsila e Anita," conclui.


O estudo aponta ainda, para a hegemonia artística do eixo Rio - São Paulo, problema que afeta, até hoje, os artistas que vivem fora desse centro.


Percebeu também que nesse período - final do Império e início da República -, as histórias das artistas estavam associadas à história da educação feminina.  Nas escolas formais elas eram treinadas para as prendas do lar. Foram proibidas de freqüentar escolas de belas-artes em razão das aulas de modelo vivo, que não eram recomendadas para a educação moral das moças. Só após a proclamação da República é que o ensino institucional foi liberado.


Na fase do Império, as mulheres eram consideradas amadoras e não podiam se envolver em escândalos ou nem executarem trabalhos considerados de valor artístico maior que os dos homens. Eram curiosamente relegadas ao esquecimento. Contribuíram para isso, também, as famílias que tratavam de apagar quaisquer vestígios deixados das suas vidas artísticas, ficando assim, a História da Arte hegemônica quanto ao gênero masculino.


Com o passar do tempo o movimento feminista forçou a revisão desses conceitos de valor da arte contemporânea e da História da Arte. Mesmo assim, as mulheres não tiveram o merecido reconhecimento do seu talento.


Mas as coisas estão mudando, a mulher a cada dia que passa está conquistando espaços  significativos e se impondo para acabar com essa diferença. O grande exemplo brasileiro é o prestígio que Beatriz Milhazes, artista plástica carioca, alcançou no exterior. A sua cotação na bolsa internacional é a maior entre os artistas do país.


Outras como a gravadora Maria Bonomi, Tomie Ohtake, Amélia Toledo, Regina Silveira, Leda Catunda e Adriana Varejão, todas vinculadas ao eixo Rio/São Paulo. As baianas: Fátima Tosca, Maria Adair, Yedamaria, Aruane Garzedim, Zau Pimentel, Ieda Oliveira, Márcia Magno, Márcia Abreu, Beth Souza e tantas mais, assumem com autonomia os seus talentos e atestam o valor artístico das suas obras.

São artistas plásticas livres da relação conflituosa entre gêneros. Os historiadores que fiquem atentos!