Cultura

"QUARTA FEIRA DE CINZAS SEMPRE DESCE O PANO", POR MARCO GAVAZZA

Mas, não sou contra a propaganda em eventos
| 10/02/2010 às 09:28
Um mar de balões nem sempre marca no consumidor um produto
Foto: Robson Mendes

Posso estar a um passo de cometer uma grande gafe, expondo minha opinião como profissional de comunicação, mas vou correr o risco: não acredito muito na eficiência do merchandising no carnaval de Salvador, vendido sob a forma de cotas de patrocínio.  Uma cota sênior no carnaval 2010 que começa amanhã custa 3 milhões de reais.  O que ganha o banco Itaú -por exemplo- com isso? 


A carga de informações visuais, publicitária ou não, existente durante o carnaval, seja num trecho de rua, num camarote, num trio elétrico, na tela de televisão ou num simples abadá é tão gigantesca, que dificilmente alguém consegue fixar alguma coisa.


Isto, mesmo que este alguém esteja com disposição e determinação para observar placas, estandartes, tapumes e outras traquitanas -ou propriedades como é a denominação técnica- que são inventadas para expor as marcas dos patrocinadores. Acredito que no meio daquela embolação geral que acontece nas ruas, não dá nem pra observar as pernas de quem está à sua frente. Visível mesmo só quem ou o que está a 6 metros acima do solo, em cima de um trio elétrico ou nas laterais,  mais ou menos à mesma altura, nos camarotes.  Suponho ainda que a multidão que se esparrama pelas ruas dificilmente estará preocupada em olhar qualquer coisa que esteja a mais de meio metro de distância dos olhos. 


Restam assim dois públicos capazes de identificar os patrocinadores do carnaval. Quem assiste a bagunça ao vivo, seja nos camarotes, seja nas marquises dos velhos prédios da Avenida Sete ou nas janelas dos prédios do Farol da Barra até Ondina. E finalmente, quem assiste a folia pela televisão.


Os aboletados em camarotes, que possuem os seus patrocinadores particulares, com suas marcas presentes desde as camisas até a decoração do ambiente, estão expostos a um apelo  visual diferente daquele que patrocina o evento. Estas marcas possuem até um bom potencial para ficar na memória do folião camaroteiro, seja porque ele pagou uma grana para estar ali ou porque foi gentilmente convidado. Já aqueles que se empoleiram nas marquises e janelas, vendo tudo de cima, tem como maior destaque visual a cabeça de quem está lá embaixo atrás dos trios e o palco destes. 


Vamos finalmente imaginar ou tentar supor em que se concentra a atenção de quem vê o carnaval pela televisão. Não tenho números de audiência, mas acredito que esta seja realmente significante na transmissão dos desfiles de escolas de samba do Rio de Janeiro e de São Paulo. Estes espectadores -é claro- são impactados pelas imagens dos patrocinadores do carnaval de lá.  Alguns poucos canais transmitem a folia daqui mesmo, porém acredito que à exceção de quem está em hospitais ou presídios, pouca gente liga a TV e fica por muito tempo assistindo algo que está acontecendo logo ao lado, na rua.


Não podemos também deixar de considerar a quantidade de gente que sai da cidade no carnaval. Segundo alguns dados relativos ao carnaval de 2009, o número de pessoas que saiu de Salvador praticamente empatou com o dos que chegaram.


Em resumo, já que eu mesmo estou me perdendo neste raciocínio, parece que a fixação de símbolos por quem está dançando no carnaval é provavelmente mínima e por quem está assistindo, possivelmente bastante pequena e passageira.


O que agrava tudo isso é que uma marca apenas e solitariamente, não diz nada além daquilo que todos já sabiam: aquela empresa existe. Não muda a imagem, não muda o posicionamento, não lança nenhum produto.  Ela está ali e pronto.


Creio que uma verba de 3 milhões de reais traria resultados institucionais bem mais marcantes se aplicados em campanhas comunitárias e/ou assistenciais.  


Há muito o Brasil já percebeu que não pode entregar totalmente nas mãos do poder público o nosso desenvolvimento comum e muito menos a busca por justiça social.  A iniciativa privada e a sociedade civil precisam sair da teoria e da crítica passivas, se organizar para entrar em campo com ações de integração comunitária e social.  Cada brasileiro precisa ser à sua forma, uma Zilda Arns e cada empresário precisa se dispor também a seu modo, a ser uma Viviane Senna.


Aí a propaganda institucional de uma corporação possui não apenas uma visibilidade maior: possui também uma função social visível, numa retribuição mais que justa à sociedade que a colocou onde está, solidamente instalada sobre lucros incessantes.  O engajamento dos grandes anunciantes é indispensável nas ações sociais e isto vem inegavelmente acontecendo. Para não sair do exemplo, o Instituto Ayrton Senna possui como parceiros, entre outros pesos pesados, o Bradesco, Brasil Telecom, Credicard, Siemens, Votorantim e até -creiam- a Coelba,  que não sei se por acaso contribui para as Obras Sociais de Irmã Dulce.


Não defendo aqui o afastamento da propaganda dos momentos de lazer, esporte, arte, espetáculos, cultura popular etc. com seus anunciantes patrocinadores, nada disso. A propaganda é um instrumento indispensável para que as empresas de grande porte estejam sempre próximas ao seu público, onde quer que ele se encontre.  Alguns dos melhores espetáculos de música clássica que já presenciei aconteceram na Praça da Liberdade, em Belo Horizonte, dentro da programação Concertos Populares Fiat.


Aqui apenas percebo a diferença de potenciais de comunicação da propaganda junto ao consumidor que assiste um espetáculo esportivo de arena, repleto de bandeiras e camisas do Banco do Brasil transformando o ambiente num cenário verde amarelo e  junto a outro que assiste o carnaval de Salvador onde tudo se mistura e se confunde num caleidoscópio gigante de símbolos, cores, luzes, formas e sons.


Evidentemente o marketing destes anunciantes possui suas razões para empregar 3 milhões de reais em pouco menos de uma semana de merchandising e não serei eu a questioná-los.  Falo aqui como um simples cidadão entre centenas de milhares que não participa da festa, sai da cidade e quando procura ver alguma coisa "carnavalesca" pela televisão prefere algo diferente daquilo que está acontecendo exatamente onde ele preferiu não estar.


Se acaso cometi a minha "gafe", paciência. Se não, espero que esta opinião sirva para alguém pensar mais sobre o assunto.  Caso um único leitor tenha chegado até aqui concordando comigo, dou-me por satisfeito.


Para quem vai atrás do trio elétrico, muita alegria e muita paz. Não esqueçam de vez por outra dar uma olhadinha nas marcas dos "patrocinadores" desta alegria. Bom carnaval e até a 4ª feira de cinzas.