Cultura

ESTAMOS VIVENDO EM TRÊS SÉCULOS DISTINTOS NA BAHIA, POR TASSO FRANCO

Vide
| 03/01/2010 às 21:24
Dique foi primeira fortaleza natural da cidade interior, hoje, "capelinha" de sub-habitações
Foto: BJÁ
Quando iniciei no jornalismo profissional no final da década de 1960, em Salvador, as intermináveis tertúlias etílico-lítero-comunicação ocorriam com frequência no Bar e Restaurante Cacique, ao lado do Cine Guarany. Naquele momento se dizia que, a Bahia era uma Província, e se alguém quizesse se interessar realmente pelo jornalismo, o melhor era pegar o avião e ir morar em São Paulo e/ou no Rio de Janeiro. Lembro que, quando Paolo Marconi foi a França fazer um curso de especialização, era uma coisa tão rara, que causou admiração.

Pouca coisa mudou nesses últimos 40 anos e não diria que ir a França, nos dias atuais seja uma raridade, mas, posso assegurar que a máxima de pegar o avião e ir trabalhar no jornalismo em SP e Rio ainda é válida, e que, também, a Bahia continua uma Província, e Salvador é a capital dessa Capitania Hereditária. Aqui ainda se conta nos dedos os donos de mercedez para nominá-los nas sextas do Baby Beef e muitas dondocas vão a Avenue 44 de NY comprar bugingangas e sair nas colunas sociais como chiques.

Uma outra questão também abordada por esses sonhadores jornalistas da década Daniel Cohn Benidt e The Beatles e dos anos 1970 que promoveram a liberação sexual, inclusive na UFBA, dando uma baixa enorme nas casas de sexo da Ladeira da Montanha e adjacências, era a expectativa do Século XXI, época que, imaginávamos, o mundo seria outro, as novas tecnologias proporcionaram coisas extraordinárias, andaríamos naqueles carros futuristas de Flash Gordon e assim por diante.

Quando o cine Bahia inaugurou na Carlos Gomes achei que o futuro havia chegado. O Brasil na Copa de 70, TV a cores, eu disse é agora. Os jornais a cores e computadores só chegaram nos anos 1990. A internet praticamente no ano 2000. E aí comecei a desconfiar que alguma coisa estava errada. Em pleno 2005 fui consertar o furo de um pneu na entrada do Calabar e o camarado para testar a câmara de ar, jogou-a numa banheira que havia conquistado num lixão e colocou um palito para identificar o furo.

Agora, chegamos a 2010 para fechar a primeira década do Século XXI e estou parcialmente decepcionado. Não de todo porque avançamos em alguns pontos, na medicina, na TI, em alguns procedimentos de cidadania, em participação democrática, mas, observando a nossa utopia do que seria este século, andarmos em automóveis flutuantes, não tomar mais injeção, não termos mais dores de dentes, favelas, lixões, pobreza à mancheia, miséria, vejo que vivemos ainda, em alguns situações na época colonial e quando muito, no Século XIX.

Juro que a Lotação que fazia a linha Campo Grande-Ribeira, um expresso que existia na década de 1970, era mais moderna do que o sistema atual de transporte coletivo da cidade.O Hospital das Clínicas dos anos 1980, onde operei um olho, era incomparável ao que existe hoje, Outro dia, Dr Raimundo Paraná fez um artigo em A Tarde mostrando como este hospital sobrevive de abnegações. E existe na cidade um resraurante igual ao Cacique, um boulevard, no centro, onde se tomava um chope sem ser assaltado?

Uma cena me chamou a atenção no final de 2009 quando a imprensa revelou que os bandidos do Nordeste de Amaralina, na terceira cidade mais populosa do país, se utilizam de cavalos para praticar crimes. Tal como nos filmes de farwest, patrulham as ruas de cavalo, sem celas, como os Sioux e os Apaches, com rifles e armas de grosso calibre. Vocês já imaginaram se isso estivesse acontecendo em NY ou em Londres?

Então meus caros leitores, prezadas leitoras, como não terei tempo em idade para chegar ao Século XXII, creio que, entre nós, a civilização ainda vai durar muitas décadas. É lamentável que ainda vivemos cercados de grades, equipamentos de segurança e sem a possibilidade de dar uma caminhada na orla, à noite, contemplando a lua sem perder a carteira de notas. Às vezes penso que, bom mesmo era no tempo dos séculos XVIII.