Cultura

O TEMPO PASSA E AINDA ESTAMOS NO SÉCULO XX, POR MARCO GAVAZZA

Vide
| 30/12/2009 às 08:15
O tempo passa, o tempo vôa e ainda nos sentimentos nos séculos XIX e XX
Foto: Uncovering

O mundo não acabou em 1999 como garantiam Cid Moreira e os grandes estudiosos de Nostradamus. Fomos então forçados a encarar o século 21 que chegou sem qualquer vestígio de mágoa em relação aos que tinham absoluta certeza de que ele não viria. E assim, passo a passo, chegamos a 30 de dezembro de 2009 e o ano está acabando. A Bahia, se algo não for feito rapidamente, também.


Quase sem que percebêssemos, lá se foi uma década inteira do século 21. Para quem tem mais de 50 anos e via o novo século como a possibilidade de concretização do futuro imaginado, uma realidade de tecnologia, conforto, modernidade e riquezas acessíveis para todos, ainda estamos no século 20. Ou 19.  Ou menos ainda. 


Quando pensamos em Saúde Pública no Brasil, o primeiro nome que nos vem à cabeça é Oswaldo Cruz. Se pensarmos em Educação, surge logo Darcy Ribeiro. Indústrias? Juscelino Kubitschek. Planejamento Urbano? Jaime Lerner.  Fim da famigerada reserva de mercado e acesso à tecnologia internacional? Collor. Grandes obras? Itaipu, ponte Rio-Niterói, rodovia dos Imigrantes, usinas de Angra, o Minhocão e os primeiros metrôs. Ou seja: a primeira década do século 21 serviu para pouca coisa.


Na propaganda, que é o meu assunto aqui, também não consigo registrar nada memorável e capaz de marcar uma década. Aqui e alí existem evidentemente campanhas competentes, bem produzidas, eficientes, atraentes até.  Mas se formos fazer o mesmo exercício aplicado às outras áreas do conhecimento, certamente vamos lembrar -ainda- do cachorrinho dos amortecedores Cofap, da Cerveja Nº 1 e até do remoto Primeiro Sutiã. Ou o jingle do Bamerindus onde fui buscar o título deste papo.


O que fizemos então durante 10 anos?  


Bem, falando especificamente de Bahia, o varejo de móveis e eletros, por exemplo, foi beber na fonte dos anos 60 (do século passado, claro) e aplicou recursos gráficos e de computação num "remake" bastante convincente.  Milton Barbosa, o inventor do varejo de elevados decibéis, deve estar sorrindo em algum lugar do vasto universo.


O grande varejo, dominado pelos shoppings centers e supermercados não arriscou nada. A fórmula apresentador+janela de ofertas+apresentador+encerramento funcionou bem durante o século 20, então pra que mudar?  Os shoppings seguiram também fórmulas que deram certinho e continuaram mostrando vitrines, escadas rolantes, gente cheias de sacolas e de preferência, abraçando-se ao final dos comerciais. 


Confesso que pelo fato de ter acompanhado de perto as obras do Salvador Shopping (porque trabalhava num edifício em frente e não por inspecioná-lo diariamente) esperei por uma campanha tão surpreendente e inovadora quanto o próprio. Era a grande oportunidade de marcar a década. Não veio.


O mercado imobiliário também foi cauteloso. Os seus produtos sim, sofreram uma transformação radical.  Incontáveis itens de lazer em cada condomínio e poucos metros quadrados facilmente contáveis nos ambientes. Mudaram também os métodos construtivos e os materiais utilizados. Mas as suas campanhas, entendendo que seja lá em que época for, um apartamento é o lugar onde mora a família feliz, seguiu mostrando as variadas formas de felicidade que ele pode oferecer.  Jovens atraentes nas piscinas, crianças saudáveis brincando, casais comemorando alguma coisa à luz de velas e por aí.



Da terceira perna do tripé que sustenta a propaganda baiana, a administração pública, menos ainda se podia esperar. Este é um setor onde o feijão-com-arroz é quase obrigatório, pois presumem os anunciantes que se saírem um pouco do convencional, ninguém vai entender nada e a propaganda oficial precisa falar com toda a população.  Prosseguem então os tratores cobrindo valas, casinhas todas iguais em perspectiva, lâmpadas acendendo-se miraculosamente sob telhados precários, crianças com a boca aberta e travadas em leitos de consultórios dentários, torneiras se abrindo para deixar surgir água e aquele inevitável close do rolo compressor passando sobre o asfalto etc. etc. etc.  Moderníssimo.


Os setores da administração municipal ou estadual que sempre costumavam inovar, como o turismo e a segurança no trânsito, reduziram suas campanhas ao mínimo e perderam o  destaque que sempre tiveram. 


Campanha eleitoral não vale a pena considerar, porque seu conjunto é extremamente fragmentado, os partidos gráficos são muito semelhantes -foto do candidato, marca do partido, cargo e slogan obrigatoriamente- e sua influência nos resultados está muito mais atrelada à estratégia de marketing eleitoral, que se traduz em posicionamento, propostas e geração de fatos. Sem falar evidentemente do potencial de convencimento que cada candidato possui e isso é imponderável.  


Só mesmo na propaganda veiculada pela web, embora até hoje num volume ínfimo em relação ao seu alcance, encontramos algumas coisas interessantes. Banners curiosos, bem humorados, inteligentes, surpreendentes. Mas nada que chegasse a ser marcante, a ser digamos, uma Brastemp (olha o século 20 aí novamente).


Como esta minha relação de lugares comuns já vai longe demais e eu confesso estar louco de vontade de ficar alguns dias sem pensar em propaganda, podemos parar por aqui mesmo.


A década se vai e a nova já se aproxima com outra ameaça de final para a  humanidade. Se os Maias estiverem certos, em 21.12.2012 estaremos livres desta e de qualquer outra discussão. Voltaremos a ser poeira estelar. 


Como ainda faltam três anos para o evento -se ele acontecer- quem sabe neste período a gente consiga colocar nas ruas e na mídia algo que faça realmente a diferença, que se destaque entre todos os outros, que fique na memória, que nos dê orgulho da nossa profissão, mesmo que por meros 36 meses.


Vocês poderão dizer que chego ao fim do ano cético e ranzinza.  Não me sinto assim.  Ao longo deste tempo em que estive aqui toda 4ª feira, procurei ser realista e evitar fascinações indevidas, pensando na necessidade de fazer alguns empresários da propaganda baiana refletir um pouco e principalmente em mostrar aos jovens que começam na profissão que ela se tornou um desafio. 


Sinto-me assim à vontade para desejar a todos um feliz 2010, agradecer a atenção dos eventuais leitores e dizer que a minha voz continua a mesma, mas os meus cabelos...