Cultura

ÁFRICA NEGRA PRÉ COLONIAL, LEITURA OBRIGATÓRIA, POR TASSO FRANCO

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| 29/12/2009 às 11:14
Rei do Congo recebe embaixadores holandeses
Foto: BJÁ

Estou concluindo a leitura do Tomo I (até século XVIII) do livro "África Negra História e Civilizações" escrito pelo historiador congolês Elikia M'Bokolo, editado pela EDUFBA, 617 páginas, que narra o menos conhecido período da história africana e, segundo o autor, um dos mais difíceis de serem abordados, por escassez de informações, de fontes primárias e secundárias, algumas sepultados pelo tempo e por falta de estudos aprofundados, outras enterradas pela dominação árabe e européia no Continente Africano.


Essa fase pré-colonial da África é tão pouco difundida no Brasil e mesmo na cidade do Salvador, cidade que tem relações de ancestralidade com aquele continente, com análises e estudos relacionados mais recentemente a partir da ótica da ocupação européia portuguesa, vigente pós 1549, que, o trabalho do M' Bokolo acaba se tornando uma preciosidade porque nos revela um outro lado da moeda, completamente desconhecido e abordado no Brasil.


E olhe que, quem faz as afirmações cercadas do máximo cuidado com a história, com extrema responsabilidade, bastante diferente de alguns compêndios circulantes na Bahia, sem esse rigor de apuração misturando história com ficção e colocando em patamares elevados personalidades que não retratam a real história dos povos e da cidade do Salvador, é o professor de história da Universidade de Kinshasa, República Democrática do Congo, e diretor da École dês Hautes Études em Sciences Sociales, na França, Elikia M'Bokolo.


 A opacidade cultural da África e seu imobilismo nesse campo, na fase da pré-ocupação a partir do Índico e do Mediterrâneo pelos árabes e europeus isso ainda no século XI, quando o Brasil sequer existia e os muçulmanos já ocupavam Acre na Costa Ocidental da África, e/ou mesmo, os mitos e lendas, o questionado périplo do Mar Eriteu, os "pigmóides" e negrilhos de Vazimba já povoavam os mundos então considerados civilizados, o Egito e países da Europa, tem sido uma tarefa enorme de resgate dessa cultura africana pré-colonial.


Aqui na Bahia temos uma enorme dificuldade quando queremos abordar essa questão no plano local, a fase de pré-colinização européia, em estudos mais aprofundados sobre os originais habitantes do Estado, os tupinambás, os tapuias e tupiniquins, e veja que a civilização ameríndia é uma criança em idade se comparada com a africana, continente, hoje, considerado o berço da civilização humana a partir das descobertas antropológicas no Sul da África.


Estima-se que o homem mais antigo vem daí há 100 mil anos. Na teoria convencional migrou para Norte, Europa e Sul da Ásia, atravessou este continente e cruzou o estreito de Bering em direção às Américas há cerca de 30 mil anos. Da América do Norte, desceu para a América do Sul, onde teria chegado há 15 mil anos. Veja, o desafio que representa, portanto, uma análise histórica de todas essas fases do continente africano até os dias atuais.


Então, muito do que foi escrito (e em parte ainda é assim) sobre a África resulta de relatos e descrições de árabes e europeus, de uma documentação mais precisa a partir dessas ocupações, por oralidade e/ou através de documentos desde que se inseriu a escrita no mundo, o que sempre tem o viés de análise parcial, vista a partir dos dominadores e não dos dominados. O fato de que os primeiros que escreveram a história da África tenham sido estrangeiros (árabes e europeus) teve conseqüências enormes sobre reinos, lendas e de uma historiografia nativa africana.


Até as notificações sobre o primeiro estado africano, Axum, com período pré-Axumita estimado no século V-I a.C tem-se uma idéia, a dimensão, a grandiosidade do trabalho que os atuais historiadores africanos têm pela frente. O livro de M'Bokolo é um passo inicial e um grão de areia nesse deserto. E, é bom que se registre, a parte mais valiosa dessa história vincula-se ao mundo árabe. O Brasil e a Bahia só se inserem nesse contexto historiográfico a partir do século XVI. Por isso mesmo, ao se falar em ancestralidade africana é preciso ter o máximo cuidado.