Cultura

NATAL? DE NOVO? COMO SOFREM CRIATIVOS DAS AGÊNCIAS, POR MARCO GAVAZZA

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| 23/12/2009 às 09:28
Os consumidores diante do mundo dos sonhos com apelos repetitivos de consumo
Foto: BJÁ

O Natal é a alegria dos donos de agências e o desespero dos seus criativos. Para os primeiros a época representa uma fase de picos de faturamento, com todos os clientes querendo anunciar ou ao menos veicular mensagens institucionais de fraternidade e sentimentos similares. Mas para os criativos, é o momento em que todos desejariam ser hebreus ou então engenheiros, mecânicos ou donos de bar.


Primeiro porque eles têm pela frente um desafio que se repete anualmente sem oferecer rotas de fuga. Como dizer Feliz Natal e Próspero Ano Novo de forma diferente? O que desejar além de paz, amor, saúde e fraternidade?  Como escapar daquele cidadão gordo e que jamais troca sua inconfundível roupa vermelha com aquele saco nas costas?  Ano após ano o pânico e o terror se repetem nos departamentos de criação diante de pedidos que solicitam mensagens de Natal e fim de ano diferenciadas, criativas, inovadoras.  


Até o Carnaval é menos cruel, pois embora também seja uma época de grandes correrias, ao menos a cada ano escolhe-se um tema diferente para a festa.


No Natal, não. Redatores tentam fugir das frases feitas imaginando serem poetas e escrevendo mensagens do tipo que a magia do Natal traga o encantamento de um momento de paz que possa transformar o Novo Ano e perpetuar-se em nossos corações. E morrem de vergonha depois de escrever chavões vazios como esse.  Diretores de arte vasculham bancos de imagens atrás de criancinhas sorrindo, velas iluminando manjedouras e -pior de tudo- símbolos quase alienígenas, como bonecos de neve, renas, chaminés de lareiras, bengalas listradas e as agora suspeitíssimas meias recheadas de dinheiro, desculpem, presentes. É a morte.


Tem coisa ainda pior: aqueles clientes que só lembram que vai acontecer o Natal lá pelo dia 20 de dezembro. Aí então resolvem fazer comerciais, organizar festas de confraternização e produzir vídeos para exibir nas próprias festas mostrando como o ano foi bom e como o próximo poderá ser ainda melhor. Além, é claro, de cartões. Os inevitáveis cartões.  Cartões criativos e que acompanhem brindes surpreendentes, mas que sejam baratos e de produção rápida.


Para a Criação, a Mídia e a Produção das agências, o Natal é realmente a comemoração de um milagre. Um só não, vários. Milagres realizados por profissionais que varam noites chacoalhando cérebros desesperados para descobrir alguma coisa um pouquinho diferente; que passam os dias grudados no telefone tentando conseguir 15 segundo aqui, um rodapé alí, um banner seja lá onde for; que se arrastam aos pés de fornecedores para conseguir produzir e imprimir o milagre dentro do prazo. Sim, porque para a propaganda milagre tem prazo; não é como Cristo, que fazia os seus quando bem entendia ou lhe desse vontade.


No momento em que meus poucos leitores acompanham estas singelas considerações, hoje, dia 23 de dezembro, diversos publicitários encontram-se à beira de um surto ecumênico, dispostos a abater a tiros qualquer Papai Noel que lhes apareça pela frente.


No começo da noite, caso tudo dê certo, somente aí então eles terão tempo de correr para um shopping e trocar tapas por uma vaga no estacionamento, para depois então enfrentar multidões ensandecidas, balcões em  pandemônio, funcionários das lojas revoltados e o sistema Redeshop sobrecarregado. É a única hora que eles terão para comprar presentes para suas famílias, parentes e amigos. E o que eles irão encontrar nos shoppings além deste repousante clima de compras natalinas na última hora? 


Papai Noel. Dezenas deles. Pinheiros aos milhares.  Neve de algodão grudando nas solas dos sapatos.  Bolas coloridas refletindo a multidão que disputa aos berros a última Barbie ou uma camiseta de marca, em promoção, que tem todos os números menos o que ele precisa.   


Já fora do controle de suas emoções, eles acabam entrando numa livraria e comprando livros para todo mundo.  De Saint Exupéry a Kafka, passando por Sidney Sheldon, Paulo Coelho (fazer o que, se aquela tia solteirona vive dizendo que Paulo Coelho não sai da cabeceira de sua cama e que ela tem esperança de um dia ele se materializar ali mesmo?) e até mesmo aqueles insuportáveis livros de fotos estranhas de cachorros sorrindo, focas beijando âncoras, elefantes transportando bicicletas, todas com frases que tentam explicar a vida. Tudo vai para a mesma sacola e dali para os pés da árvore de Natal.


Eu, depois de muitos anos de sofrimento semelhante ao aqui descrito, consegui escapar desta sandice toda, pois hoje raramente lido com Criação, estando bem protegido no setor de Planejamento e Prospecção. 


Se acaso hoje à noite você estiver em um shopping e perceber alguém sentado num banco de um café, com uma aparência desoladora e tendo aos pés algumas sacolas de uma livraria, vá até ele e o cumprimente. Dê-lhe um abraço e diga-lhe que entende o seu sofrimento.  Mas não entre em detalhes.  Ele entenderá o que você está dizendo, apesar do olhar vazio e distante. Ou desvairado.


Por tudo isso meu raro e caro leitor, hoje, quero prestar uma sincera e devida homenagem aos meus colegas publicitários criativos, produtores e mídias, verdadeiros heróis anônimos, submetidos anual e indefinidamente ao torturante band-aid que é a propaganda no período natalino.  


A estes profissionais  que mesmo adultos são obrigados a acreditar em Papai Noel até o último instante, o meu mais profundo respeito, solidariedade e um grande abraço.


Além disso, quero -é claro- desejar a você meu leitor, um Feliz Natal e Próspero Ano Novo (você não esperou que eu fosse inovar agora, não é mesmo?) extensivo à sua Família.  Essa frase também é boa, não?